Portugal quer ter presença espacial já a partir de 2022 e expandir a partir daí negócios em software, hardware e processamento de dados "fulcrais para o país e para a sua recuperação económica", explica-nos Ricardo Conde, presidente da Portugal Space. A agência espacial portuguesa foi criada em 2019, no mesmo ano do projeto Air Centre - com sede na ilha Terceira, num consórcio entre vários países do Atlântico - e, ambas, estão a montar o ecossistema espacial português assente em projetos "que começam a ser executados em 2021".
A rampa de lançamento para uma indústria espacial portuguesa ganha forma este ano e está centrada nos Açores. Ricardo Conde explica que quer colocar Portugal na lista de países que já voa no Espaço, o que será importante para alimentar o programa Planeta Digital, que promete agregar dados a partir do Espaço [ver no fim do artigo].
"Queremos uma constelação de quatro microssatélites em órbita (em parceria com o Air Centre) e um porto espacial na ilha de Santa Maria com lançadores (foguetões) com contributo português", admite. Este último trata-se do projeto Azores ISLP, gerido pelo Governo Regional dos Açores, com apoio da Portugal Space e da Agência Espacial Europeia (ESA) e deve começar a ser construído já no final deste ano: "Em março já deve haver licença atribuída a um dos dois operadores, para que em 2022 possam começar os testes de lançamento de satélites para a órbita". Nesta altura já existe um teleporto gerido pela empresa portuguesa Edisoft (ver foto no fim) e o futuro SpacePort será instalado na parte sul da ilha, na localidade de Malbusca.
Citaçãocitacao"Quanto mais investimos no Espaço, mais negócio temos na Terra". esquerda
O responsável espera que o primeiro programa espacial no país - que arrancou já em 2020 - seja um desígnio nacional e faça "parte do plano de resiliência e recuperação económica". "Vai trazer negócio a muitas empresas portuguesas", adianta, projetando para já e até 2022 de 600 a mil novos postos de trabalho qualificados na área espacial, que já significa anualmente em Portugal cerca de 20 milhões de euros só em projetos dos programas da ESA associados ao país.
"O negócio do Espaço não está no Espaço, está sim na Terra, porque ter presença no Espaço ajuda-nos na observação terrestre". Quem o diz é Tiago Rebelo, diretor de engenharia e desenvolvimento do CEiiA, centro português que participa em vários projetos espaciais. O engenheiro admite que "é entusiasmante ver que já há muito a acontecer no setor espacial em Portugal" e que a indústria "começa finalmente a organizar-se em parcerias úteis para poder crescer".
Uma dessas iniciativas passa por contribuir para a tal constelação de microssatélites - serão 16 no total integrados numa cooperativa Atlântica, quatro sob a gestão portuguesa -, que deverá estar a voar em três anos. Para os construir há já movimentações, com as empresas a agregarem-se para ganharem capacidade de competir internacionalmente. Uma dessas parcerias chama-se Magellan Orbital e inclui o CEiiA, a Tekever, Efacec, Omnidea e IdD - Portugal Defense (do Estado).
O responsável do CEiiA destaca nos projetos para microssatélites, o Infante, que começou há dois anos e é liderado pela Tekever, com o objetivo de criar a base de um microssatélite português para observação terrestre. Já o AEROS começou há seis meses e procura lançar um nanosatélite de 4 kg para a órbita terrestre, enquanto o MAGAL, liderado pela Efacec em parceria com a Universidade de Austin, começou há nove meses e tem vários sensores de altimetria fornecidos pelo CEiiA.
"Esta área é um puzzle complexo e onde o CEiiA contribui para vários projetos diferentes", diz Tiago Rebelo, que aponta para um total combinado de 30 milhões de euros de investimento só na área dos microssatélites em Portugal nos próximos três anos. O país tem, assim e com ajuda do Air Centre, que serve de ponte entre a área científica, política e empresarial, "ambição de criar um novo mercado e nova cadeia de valor nos pequenos satélites, que têm entre 3 kg e 100 kg que vão estar a 600 km da Terra".
O CEiiA tem há alguns meses uma parceria com a alemã Rocket Factory Augsburg (RFA) - da gigante europeia OHB - que levou à criação oficial em novembro, integrada nas suas instalações em Matosinhos, da Rocket Factory Portugal.
Estamos a ajudá-los a criar microlançadores (foguetões) para os Açores e para outros portos e fornecemos a terceira e última fase do foguetão, que é a mais importante e mais leve porque ao separar-se coloca o satélite na sua órbita - têm de ser estruturas muito leves". Em fevereiro devem ser aprovados novos projetos para a ESA que "reforçam a vontade da RFA se associar ao CEiiA".
Citaçãocitacao"Portugal ou voa ou não voa - ou temos coisas a voar nossas ou não temos. Se tivermos sucesso a fazer o nosso pequeno porto espacial nos Açores e a ter micro-satélites, vamos ter acesso a dados importantes e uma infraestrutura relevante, tornando Portugal num novo ator no espaço". Ricardo Conde, da Portugal Space
Da lista de projetos para a ilha de Santa Maria está a ser finalizada a instalação de infraestruturas para que o porto espacial sirva para aterrar o primeiro veículo autónomo espacial reutilizável europeu, o Space Rider. Além disso também se está a criar um hub de comunicações para missões espaciais, admite Ricardo Conde que deposita esperança noutras áreas do Espaço, como a de tratamento do lixo espacial. "É um problema crescente e há um projeto entusiasmante na área que envolve as empresas portuguesas ISQ e Lusospace (associadas à Deimos) e a Critical Software, num contrato recente de sete milhões de euros".
Para Portugal subir de patamar, como não tem uma grande empresa integradora, "não será surpresa que se possam receber multinacionais com essa capacidade e massa crítica" e isso já se começa a ver com o interesse de várias gigantes na área. Além da francesa Thales Alenia Space (dona da portuguesa Edisoft), da alemã OHB ou a europeia Airbus, Ricardo Conde admite contactos de empresas americanas.
"Portugal ou voa ou não voa - ou temos coisas a voar nossas ou não temos. Se tivermos sucesso a fazer o nosso pequeno porto espacial nos Açores e a ter microssatélites, vamos ter acesso a dados importantes e uma infraestrutura relevante, tornando Portugal num novo ator no Espaço", conclui o engenheiro responsável pela agência espacial portuguesa.
Conde substituiu em setembro na liderança da Portugal Space a cientista italio-alemã Chiara Manfletti, que regressou à Agência Espacial Europeia para chefiar o Departamento de Políticas e Programas. Em entrevista à Lusa, na altura, Manfletti, admitiu que Portugal vive uma altura "vibrante" em torno do Espaço e o que estava a faltar, para que possa estar entre os melhores no setor, é a "massa crítica na indústria" nacional, com maior envolvimento das empresas nacionais em projetos com raiz portuguesa. Algo que os novos projetos podem colmatar, tornando empresa portuguesas em fornecedoras de serviços na área do Espaço e líder em segmentos de negócio.
O Air Centre foi oficialmente criado em 2019 e é um centro de colaboração internacional focado no Atlântico e sediado na ilha Terceira (onde trabalham boa parte dos 20 funcionários) que tem já quase 20 países parceiros - da Noruega ao Uruguai, passando pelo Brasil, África do Sul, México, Nigéria, entre outros. O seu presidente, Miguel Bello Mora, explica-nos que os dados da superfície terrestre e do Atlântico recolhidos a partir do Espaço podem ser determinantes para vários setores na ciência e da oceanografia ao clima, energia e território.
Só nos últimos meses já conquistaram 20 projetos ligados à ESA, muitos na área espacial e vários em Portugal.
"A constelação de satélites que estamos a construir e em que Portugal terá uma parte dos 16, vai-nos dar de forma mais rápida (de três em três horas) vários tipos de dados que não teríamos de outra forma", explica.
Dentro de poucas semanas será instalada no centro da ilha Terceira uma nova antena para ter dados de seis satélites em tempo real, o que irá ser útil para reagir de forma rápida a desastres naturais, de tempestades a terramotos.
Bello Mora acredita que o Espaço "é transversal a indústrias como a agricultura, pesca, meio ambiente e pode criar emprego em Portugal e novas aplicações e sistemas para otimizar vários setores, da gestão do território pelo governo e pelos municípios à agricultura de precisão.
Os satélites do consórcio vão contribuir para a soberania nacional e fornecer dados que prometem otimizar várias indústrias, da energia, à agricultura de precisão, pesca e meio ambiente.
Tiago Rebelo, do CEiiA, explica que o projeto Portugal Digital, da agência portuguesa, vai também ajudar através da observação espacial na análise à erosão da costa marítima, na vigilância marítima, nas florestas (fogos), na aquacultura offshore e permitir criar um cadastro urbano e agrícola nacional. "Tem o potencial de trazer uma precisão e maior eficácia a empresas e ao Estado e será importante para a transição digital e ambiental prevista no Green Deal europeu", garante.