"É um marco histórico que torna Portugal, finalmente, numa nação "fly", que voa para o espaço". Ricardo Conde, presidente da Portugal Space (agência portuguesa criada em 2019) congratula-se com a compra feita pelo novo consórcio português (GeoSat) que inclui a Omnidea (55%) e o CEiiA (35%) e o Air Center (10%) de dois satélites de muito-alta resolução (submétrica) que já estão em órbita, num investimento anunciado esta sexta-feira de 20 milhões de euros a cinco anos. Esta é, assim, a primeira empresa portuguesa a deter e operar satélites de Observação da Terra.
Os dois microssatélites tornam Portugal no sexto país europeu com esta tecnologia e são o ponto de partida para o objetivo de ter uma Constelação com vários e "trazem imagens de alta resolução do país e do mar com precisão de 40cm, com ganhos relevantes em rapidez (não é preciso esperar vários dias, apenas um par de horas) e em dados importantes para autoridades e empresas".
Esta sexta-feira também foi apresentado por três ministros (Economia, Planeamento e Ciência e Tecnologia) e pela Portugal Space o lançamento da agenda mobilizadora para o espaço para receber fundos do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). "Esperamos concluir em junho e ver o plano aprovado ainda este ano", diz-nos Ricardo Conde, que espera que criar em breve "uma indústria espacial em Portugal" de 500 milhões de euros até final da década (10 vezes mais do que o valor do setor atual).
O país viu o investimento público (e europeu) no espaço duplicar nos últimos dois anos de 25 para 50 milhões de euros (30 são do Horizonte 2020). Só em 2020 foram apoiados 142 projetos de 42 empresas. Até 2022 o responsável espera mais 600 a mil novos postos de trabalho qualificados na área espacial e ver implementada o ecossistema espacial na ilha de Santa Maria (Açores), bem como o projeto Portugal Digital. Este último pretende colocar os dados recolhidos pelos satélites ao serviço do país na criação de um cadastro urbano e agrícola (para empresas e municípios), vigilância marítima (potenciar projetos oceanográficos) e das florestas (para evitar fogos) e ganhos na segurança, pesca e meio ambiente.
Em Santa Maria, o Porto Espacial (com microlançadores de satélites e não só) deve ficar alocado ainda este ano (em concurso ou ajuste direto pelo Governo Regional dos Açores) e a esperança é que esteja pronto em 2022. "Não podemos perder tempo, temos uma boa oportunidade e estamos em concorrência com outros países", admite Conde.
A Constelação do Atlântico é outro projeto bandeira, em parceria com a Air Center (projeto multinacional liderado por Portugal com sede nos Açores), e vai servir não só para lançar 16 satélites sofisticados em parceria com o Air Center para órbita, como construir no país três a quatro deles e ter três que serão apenas portugueses. Isso deverá desbloquear a "aposta no 5G por satélite e comunicações quânticas", que permitem melhor investigação e desenvolvimento por facilitarem recolha de dados na área do IoT (Internet das Coisas).
"O espaço também funciona como diplomacia económica e já se está a ver esse efeito, com Portugal a assumir este ano a vice-presidência da ESA (Agência Espacial Europeia) e ajudar a definir os próximos projetos", explica o gestor, indicando que o país recebe em novembro a reunião interministerial da ESA.
Esta semana a ESA, da qual Portugal faz parte desde 2000, está a celebrar os 20 anos da entrada da Europa na Estação Espacial Internacional (EEI), um projeto multinacional entre Rússia, EUA, Europa, Canadá e Japão lançado em 1998. Foi a 19 de abril de 2001 que o italiano Umberto Guidoni chegou à ISS, iniciando dezenas de missões repletas de experiências científicas expandidas com a chegada do laboratório espacial Columbus, em 2008 - um projeto europeu de 1,4 mil milhões de euros.
Relativamente aos 20 anos de presença europeia na EEI, o português João Lousada, diretor de voo da Columbus desde 2019 - o primeiro português com um cargo semelhante - explica que "é um marco histórico importante". "Já são 20 anos com astronautas a viver e trabalhar na órbita terrestre - uma presença humana permanente no espaço. Ao longo dos anos, a Estação Espacial tem tido um papel único e imprescindível na investigação científica de áreas como a biologia, ciência de materiais ou medicina". Daí que admita que "fazer parte desta história é algo muito especial".
Entretanto, esta semana a Rússia manifestou desejo de deixar o projeto da EEI já a partir de 2025. A Estação foi projetada para estar em órbita até 2024, mas existem planos para prolongar o projeto até 2030, mas a Rússia não parece querer continuar numa altura em que Europa e EUA estão menos dependentes dos seus foguetões para o projeto espacial - graças à SpaceX.
O francês Thomas Pesquet tornou-se nesta sexta-feira no primeiro astronauta europeu (e da ESA) a viajar a bordo da nave da SpaceX (o primeiro privado a levar astronautas para o espaço), Crew Dragon. As missões anteriores eram a bordo da nave russa Soyuz, que ao contrário da Dragon não é autónoma. Pesquet terá como diretor de voo da sua missão no Columbus, o laboratório da Estação Espacial Internacional, o português João Lousada.
Ao Dinheiro Vivo, Lousada, que é ele próprio candidado a astronauta da ESA (as candidaturas abriram 13 anos depois no final de março e decorrem até maio), explicou que está ansioso por receber o francês sob o seu comando. "O Thomas será comandante da estação espacial na parte final da sua missão, o que não é habitual para um europeu como comandante (acredito que ele será apenas o quarto Europeu e o primeiro francês) e demonstra a confiança que os parceiros da estação espacial têm na agência espacial europeia e nos seus astronautas", disse.