"Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia", escreveu Arthur C. Clarke em 1962. O autor estava longe de um futuro em que máquinas de Inteligência Artificial geram imagens, vídeos e textos de forma automática, mas conseguiu imaginar o seu impacto. Em 2024, depois de um ano que mudou tudo na indústria tecnológica, vamos ver essa magia alterar a forma como trabalhamos e comunicamos sem perceber exactamente como - ou às vezes, sem o perceber de todo.
Este é o ano da tecnologia em esteróides, permeando todos os momentos da nossa vida. Os avanços da IA generativa no ano passado vão fazer-se sentir de forma mais imediata e concreta, à medida que as empresas passam das experiências à implementação. Espera-se um impacto profundo em áreas como o marketing, suporte, educação, programação, formação, mas não há reduto que vá permanecer intocado.
Com isto, a fasquia estará mais elevada para os legisladores: a Europa deverá acelerar a aprovação do AI Act e haverá medidas localizadas para garantir que a disseminação da IA não sai fora do controlo dos criadores. A área da segurança terá um foco acrescido, visto que a sofisticação das ameaças será cada vez maior mas a tecnologia também ajudará a detectar e bloquear ataques.
Aquilo que deve merecer maior atenção, no entanto, é a utilização de IA generativa para fins de engenharia social num ano de eleições críticas. Há cerca de 40 eleições presidenciais e governamentais em várias partes do mundo - Portugal vai já a votos em Março - e o potencial para que "deepfakes" e conteúdos manipulados sejam usados de forma maciça é grande.
Com a expectativa de que Joe Biden e Donald Trump voltem a embater nas presidenciais norte-americanas, a preocupação é grande e merecida. Deixou de ser preciso um grande nível de competências técnicas para produzir conteúdos falsos que parecem fidedignos. Sabendo a forma como as redes sociais são terreno fértil para espalhar desinformação, podemos estar perante um descalabro da verdade.
Os sites que atestam a veracidade de afirmações terão de duplicar o esforço para atestar também a veracidade de vídeos e áudios. Mesmo isso pode não ser suficiente, numa era em que grandes redes como o X (ex-Twitter) são elas próprias geridas por conspiracionistas.
Entramos, portanto, num ano em que a tecnologia estará mais presente que nunca nas nossas vidas mas poderá contribuir para um nível de caos social nunca antes visto. A realidade está a ser desafiada e não é claro que haja um antídoto para prevenir a sua desintegração; o papel dos meios de comunicação social tradicionais mudou e o seu poder sofreu uma erosão que nalguns casos parece fatal.
É neste contexto que se espera, em 2024, uma explosão das aplicações de realidade estendida (XR), com o lançamento dos óculos Vision Pro da Apple e a solidificação da liderança dos Quest 3 da Meta. Dá para imaginar um mundo em que não só a veracidade dos conteúdos é difícil de atestar como a forma como são consumidos os torna ainda mais realistas. Mas a esperança é que estes gadgets façam avançar a indústria com aplicações de impacto positivo, em áreas como a saúde, manutenção remota e educação.
Uma previsão que não se vai concretizar este ano é a dos carros autónomos. Todo o investimento e entusiasmo lançados neste sector na última década bateu contra a parede. Tornou-se evidente que a tecnologia não está no ponto de evolução necessário, que a sociedade não está pronta para os carros autónomos e que as salvaguardas regulatórias são montanhas e não pequenas lombas. Agora, o foco voltará a estar na electrificação. Carros eficientes, fiáveis e eléctricos, inteligentes mas não autónomos, são a aposta das construtoras no futuro próximo.
A área adjacente das tecnologias verdes também conhecerá grandes investimentos este ano, com as marcas a colocarem maior ênfase na sustentabilidade das matérias-primas usadas, na reciclagem e na diminuição do impacto produtivo. Passámos da tentação de "greenwashing" para um imperativo que caminha a passos largos para padronização em toda a indústria tecnológica.
E em termos de electrónica de consumo inovadora? Vamos ver tablets dobráveis e smartphones tri-partidos, que se abrem como um leque. Haverá mais óculos inteligentes discretos e a preços acessíveis. Os gadgets virados para a saúde da mulher, tais como anéis que monitorizam o ciclo menstrual, serão mais comuns.
E tudo terá alguma forma de Inteligência Artificial, mesmo onde não é particularmente útil. Porque às vezes as empresas trocam a magia pela prestidigitação, usando truques elaborados onde não há nada de extraordinário.