5G ultrarrápido desperta interesse, mas novo leilão de frequências só em 2024 ou depois

Resultados da consulta pública da Anacom divulgados. Operadores querem faixa dos 26 GHz. Regulador quer novo leilão, mas setor diverge. Atribuir espetro antes de 2024 será difícil. Faixa em causa alocada ao exército, regulador vai negociar.
Publicado a

O setor das telecomunicações tem interesse em explorar comercialmente a faixa dos 26 gigahertz (GHz), depois dos operadores Altice, NOS, Vodafone e Nowo e outras 15 entidades terem mostrado interesse na atribuição de licenças para o 5G ultrarrápido. No entanto, a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) tem trabalho pela frente: grande parte desta banda é usada para fins militares e as Forças Armadas não querem perder esse direito. Além disso, não há unanimidade quanto ao modelo de atribuição do espetro e as telecom não querem gastar dinheiro em novas licenças antes de 2024.

"Os respondentes manifestaram-se maioritariamente favoráveis à disponibilização da faixa dos 26 GHz", no âmbito do desenvolvimento de operações comerciais na rede móvel 5G, bem como "na utilização por parte de verticais e na área de I&D [investigação e desenvolvimento". Esta é a principal conclusão da consulta pública da Anacom sobre a faixa dos 26 GHz, cujos resultados foram divulgados na terça-feira.

A faixa dos 26 GHz está identificada por Bruxelas como banda relevante para o 5G, sendo esta a frequência de capacidade "ultra-elevada" (mmWave) que permitirá explorar em pleno a capacidade da nova rede móvel (velocidades de 1 e 2 gigas por segundo na transmissão de dados). Isto é, será nesta faixa que os operadores poderão fornecer 5G stand-alone (baseado puramente em rádio e núcleo 5G), aquele que permitirá a melhor resposta da nova rede e as propaladas soluções "verticais" (casos de uso em 5G aplicados em diferentes setores).

Apesar do interesse manifestado por 19 entidades - incluindo também Bosch, Mitsubishi, Qualcomm, OneWeb ou o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) - depreende-se que a Anacom tem ainda muito que decidir e dialogar, sobretudo com o exército. Vamos por partes.

A faixa dos 26 GHz está hoje "alocada a fins militares", pelo que "apenas" estão disponíveis 1,75 GHz "em blocos de 0,992 GHz e 0,758 GHz". O espetro é um bem escasso e o que está disponível não chega para todo o setor, com as telecom a alertar que precisariam, no mínimo, de "400 MHz por operador, e, idealmente, deverá ser disponibilizado o dobro desta quantidade de espetro". Ou seja, 800 MHz por operador parece ser a quantidade defendida para uma operação comercial "adequada".

O regulador nota que a faixa dos 26 GHz encontra-se "condicionada pelas utilizações de gestão militar". O EMGFA não deverá levantar barreiras intransponíveis, considerando que Portugal faz parte da União Europeia e a faixa dos 26 GHz foi considerada por Bruxelas essencial para o futuro do 5G. No entanto, deverá haver cautelas e um diálogo a ter lugar sobre este dossiê.

Quer isto dizer que a Anacom terá de se coordenar com as Forças Armadas para "encontrar uma solução adequada de alocação do espetro para as partes envolvidas". "Em particular, será necessário clarificar a localização e a quantidade de espetro que será disponibilizado ao mercado, tal como o detalhe de eventuais restrições técnicas que sejam aplicáveis para assegurar a partilha do espetro entre serviços de radiocomunicações com igual estatuto regulamentar".

As Forças Armadas dizem estar dispostas a ceder espaço, desde que mantenham "sobre sua gestão os intervalos de frequências 25,242-25,492 GHz e 26,25-27,5 GHz". A Anacom promete trabalhar no assunto e apresentar resultados "no decorrer do próximo ano" - ou seja, em 2023.

A este tópico acrescem "questões sobre a coexistência com outros sistemas, incluindo de satélite". As empresas Eutelsat Madeira e VIASAT - fornecedoras de serviços via satélite - e o INESC-TEC e a GSOA pedem à Anacom que "tenha em devida atenção a proteção dos serviços de radiocomunicações por satélite de potenciais interferências do serviço móvel em faixas adjacentes (28 GHz)".

Facto é - segundo o relatório - que a quantidade de espetro disponível para a exploração comercial de serviços 5G ultrarrápido - e "eventuais restrições para assegurar compatibilidade com outros sistemas" -, será determinante "para definir os termos de atribuição e utilização do espetro".

O mecanismo de atribuição de licenças para o 5G ultrarrápido é outro ponto que a Anacom terá de estudar bem. Primeiro, do lado dos fabricantes (como Nokia, Huawei ou Ericsson), defende-se "a disponibilização imediata de espetro ao mercado". Mas, a maioria das telecom argumenta "que seria benéfico aguardar por uma data posterior, sugerindo 2024, 2025 ou mesmo depois". Isto, porque o ecossistema 5G "encontra-se relativamente pouco desenvolvido", tanto na Europa como em Portugal, pois as redes 5G stand-alone "ainda parecem" estar em fases de ensaio ou produção.

Os participantes na consulta pública divergem quanto ao momento certo para avançar com a faixa dos 26 GHz, mas discordam ainda mais quando se lhes pergunta de que forma querem aceder ao espetro.

Por exemplo, a Oni (operador focado no segmento empresarial) argumenta que a nova frequência "deve estar" acessível e disponível "em regime de acessibilidade plena e por ordem de chegada (first come first served)". Ou seja, à medida que a banda for sendo solicitada, a Anacom vai atribuindo direitos de utilização. O mesmo é defendido pela E-Redes e Huawei.

A Altice, a Nowo e a Vodafone, bem como a Ericsson e Nokia consideram a atribuição de licenças por leilão o modelo "mais adequado". Já a Qualcomm defende "mecanismos do tipo use-it-or-lose-it, use-it-or-share-it ou use-it-or-lease-it e o sublicenciamento do espetro", bem como a partilha de espetro. Tecnológica argumenta que estas seriam formas de "utilização eficiente" do espetro.

Ora, para a Anacom a opção "mais adequada" será o leilão de frequências, com o regulador a argumentar que esse modelo privilegia movimentos "concorrenciais", assumindo que "o nível de procura seja superior à oferta disponível". Não obstante, o regulador admite atribuir licenças sem recorrer a leilão se estiver em causa "[soluções] verticais numa lógica de atribuições locais", em que "poderá justificar-se uma abordagem distinta específica".

A par do modelo de atribuição de licenças para o 5G ultrarrápido, as entidades que participaram na consulta divergem quanto à fixação de novas obrigações, de cobertura e de investimento. Aliás, "a maioria dos respondentes" é "desfavorável à imposição de obrigações nesta faixa específica".

A dada altura, a Vodafone Portugal considera mesmo "ser necessário promover incentivos adequados para manter, ou mesmo reforçar, os investimentos nas novas redes 5G de muito elevada capacidade". A Anacom apenas diz que "não deixará de ponderar" a imposição de obrigações caso se justifique, tendo em conta o valor do espetro, a utilização do mesmo e "objetivos de promoção da concorrência da concorrência e da coesão social, económica e territorial".

Uma coisa certa neste âmbito. Com ou sem obrigações, o regulador vai "ponderar" a criação de um "enquadramento que preveja soluções de partilha de espetro". Isto, para salvaguardar "necessidades locais e regionais específicas que possam surgir, desde que compatível com o quadro legal aplicável".

Ao contrário do que aconteceu no leilão do 5G, cujas faixas disponibilizadas serão utilizadas em todo o país, agora ainda está por decidir se o 5G ultrarrápido será de âmbito nacional, regional ou local. A primeira solução é defendida por operadores e fornecedores de telecomunicações, enquanto a opção de disponibilizar espetro a nível regional ou local é apoiada por entidades ligadas a setores "verticais".

"Existem méritos nas duas abordagens, sendo necessário ponderar qual a solução que será mais adequada, incluindo uma solução híbrida, atendendo designadamente à quantidade total de espetro a ser disponibilizada e às utilizações prováveis para esta faixa", considera a Anacom.

Como a 5G ultrarrápido será o que terá capacidade para suportar as soluções e serviços mais disruptivos, transversais a todos os setores económicos, haverá um particular interesse nesta faixa por entidades que não estão diretamente relacionadas com a exploração comercial de telecomunicações. É o caso da Bosch, da Mitsubishi, da Universidade do Minho, por exemplo, que responderam à consulta.

Estas entidades defenderam junto da Anacom a salvaguarda de condições para o desenvolvimento massivo do que são hoje casos de uso na indústria, na mobilidade, na gestão das cidades, no retalho ou na investigação científica - no fundo, ambientes empresariais e industriais que permitam desenvolver atuais e novos negócios.

Ainda que o negócio de exploração de redes de telecomunicações por parte dos operadores, as empresas que não integram o setor também querem ter direito a concorrer por licenças de espetro. Telecom e fabricantes de rede "consideram que não deverá haver reserva de espetro, e consequente atribuição de DUF [licenças], a entidades que não sejam operadores de comunicações eletrónicas". Já entidades setoriais e entidades dedicadas a I&D "consideram ser adequado reservar espetro para soluções verticais e empresariais".

A posição dos players históricos do setor é natural para a Anacom, tendo em conta os modelos de negócio que se perspetivam. A postura de Altice, NOS e Vodafone não foi diferente no primeiro leilão do 5G, quando o regulador reservou espetro para novos operadores poderem entrar no mercado nacional.

Agora, com a experiência do passado recente, a Anacom avisa o setor: "Esta matéria terá de ser ponderada com base numa avaliação de qual solução melhor defende o interesse público, a promoção do investimento e que vá ao encontro das necessidades da economia e da população nacionais".

Por exemplo, a Universidade do Minho diz que estão em curso "vários projetos de investigação" na área do 5G. "Por esta razão, é do interesse destes investigadores que sejam criadas condições que permitam a instalação e operação de redes 5G laboratoriais para suportar testes e ensaios em várias vertentes dessas redes", revela a Anacom.

Ao longo do relatório da consulta sobre o 5G mmWave, os operadores históricos (Altice, NOS e Vodafone) vão sinalizando o nível de investimento que o 5G exige. Por isso, não é de estranhar que os players sugiram que a Anacom pondere propor ao governo um "enquadramento específico" para a banda do 5G ultrarrápido. Defendem "uma taxa específica de valor substancialmente mais baixo que a atual" ou a introdução de "um fator de ajuste para os 26 GHz", ou mesmo uma isenção de "quaisquer pagamentos (taxas de utilização de espetro ou outros encargos recorrentes)".

Além dos operadores, também outra entidade pede atenção aos custos com o 5G. A E-Redes, antiga EDP Distribuição, nota que os custos associados ao uso do 5G "não devem constituir uma barreira à adoção de tecnologias avançadas". Por isso, sugere que, para os "verticais", exista "um custo de caráter apenas administrativo", de forma a incentivar "a aplicação dessas tecnologias avançadas na transformação e inovação digital".

De forma lacónica, o organismo liderado por João Cadete de Matos conclui: "Esta questão será oportunamente ponderada".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt