No dia 26 de junho, a The Economist noticiou mais uma loucura independentista no Québec. A data do artigo é relevante, já que a 1 de julho se celebrou a Nação - dia em que todo o Canadá sai à rua, cantando o hino de bandeira em riste e escrevendo odes a Terry Fox nas redes sociais. Para quem pensa que a Catalunha é uma dor de cabeça, enquanto o Canadá vive incólume no que toca a independentismos, vale a pena salientar que, nos últimos 20 anos, foi precisamente o nacionalismo quebequense a fonte de inspiração dos delírios catalães. Em particular, pela estratégia democrática que adotaram, com base em eleições e referendos, sejam eles constitucionais ou não.
Ao que parece, agora chegou a vez de o Québec se inspirar na Catalunha e impor ditatorialmente a cultura independentista à população em geral. Refiro-me concretamente à Ministra da Cultura do Québec, Nathalie Roy, que resolveu indignar-se contra o uso do inglês (ou qualquer outro idioma que não seja o francês quebequense) em músicas de elevador ou telefone utilizadas nas agências ou entidades governamentais.
A seguir por este caminho de uniformidade autoritária, o Canadá irá certamente perder o interesse enquanto sociedade desenvolvida e civilizada que (ainda) é. A propósito do Juneteenth, há poucas semanas dizia que o Texas é o bastião do sonho americano. Em contraste, o Canadá parece querer transformar-se no pesadelo norte-americano. Não porque seja um Estado insolvente, por enquanto, mas porque as políticas que tem adotado na última década sempre resultaram, e resultarão, em dívidas insuportáveis e países falidos, ligados à máquina.
Ora, que políticas são essas? Nada menos que as do socialismo progressivo que, seja ele social-democrata ou liberal-esquerdista, fomenta invariavelmente os mesmos vícios: prevalência da utopia sobre a realidade, concentração do poder nas elites políticas, tecnocráticas e burocráticas, favorecimento de processos revolucionários (independentismos artificialmente criados ou insuflados, lutas de classes ou identitárias, etc.), peso esmagador do Estado, regulamentação da economia e da vida social, bem como a monopolização da saúde e a uniformização do ensino - visando criar cidadãos obedientes, ao invés de pessoas autónomas e competentes.
Onde é que já vimos isto? Soa familiar, não soa?
Além das suas riquezas naturais, em matérias-primas e energia, a grande mais-valia do Canadá é a sua situação geográfica, a qual lhe permite funcionar economicamente como uma espécie de 51.º estado dos EUA. Quase tudo o que os canadianos vendem e compram é com base nesta estreita relação que por um lado os favorece, por outro os ultrapassa. Uma boa imagem dessa constante ultrapassagem foi o curto predomínio da BlackBerry no mercado dos smartphones, antes de este ser engolido pela Apple.
Assim, o Canadá sempre nutriu uma relação de amor-ódio com o país dominante. Algo perfeitamente compreensível e que talvez explique, pelo menos em parte, porque Justin Trudeau queira distinguir a nação do Maple Leaf como uma alternativa liberal-esquerdista ao American Dream. O problema é que a alternativa a este sonho costuma resultar em pesadelos (Cuba e Venezuela que o digam).
E as consequências já se fazem sentir. Ao contrário dos EUA, cujo PIB regrediu apenas 3.4%, em 2020, e em 2021 já estava a crescer a uma taxa anual de 6.4%, o Canadá regrediu 5.4%, em 2020, e no primeiro trimestre de 2021 não conseguiu passar dos 1.4%. Tendo em 2020 o pior ano da sua história, o país que relegou o seu progresso nas mãos de Justin Trudeau acabou por sofrer um impacto de crise apenas comparável à fragilizada União Europeia ou a países supostamente menos resilientes.
No continente americano, o Brasil saiu-se claramente melhor, com uma queda de 4% que já está a ser recuperada com um crescimento em 2021 projetado a mais de 5%. Pior, só a Argentina, claro, com quase 10% de regressão (embora com 7% de recuperação expectável neste ano). Mas temo que os canadianos não se deixem consolar por tão modesta comparação.
Consolação maior talvez fosse a comparação com o México, que em 2020 decaiu 8.2%. Mas, até neste caso, buscar satisfação em economias tradicionalmente mais débeis não serviria de muito aos adeptos de Trudeau. Em primeiro lugar, porque o país dos mariachis também já está projetado a crescer 5% em 2021. Em segundo, porque os mexicanos já estão cansados do socialismo e estão cada vez mais determinados a produzir riqueza e atrair investimento global (pelas razões que já aqui apontei). De facto, basta consultar os dados do Banco Mundial para ver como, tendo em conta a paridade do poder de compra, há muito que o México deixou de ser o 3º país da América do Norte.
Talvez, portanto, esteja na hora de os canadianos acabarem de vez com as políticas de afinidades socialistas e deixarem de votar num primeiro-ministro que mantém as fronteiras fechadas com o seu principal parceiro e tem sido um desastre na campanha de vacinação. Que tal reavaliarem essa relação de amor-ódio e ficarem só com a parte que interessa? Haverá maior gesto de amor do que mandar o Trudeau cavar batatas? Podia ser um bom começo de volta ao sonho americano - melhor ainda, norte-americano (México incluído) - e, já agora, convencer Biden a fazer o mesmo.
João A.B. da Silva, economista e investidor