A anedota assassina

A normalidade não é engraçada. O inesperado é.
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Piada, diz o dicionário, pode ser sinónimo de anedota. É algo que provoca o riso.

O riso é uma reação física involuntária. Acontece quando entramos em choque, quando há uma falha de lógica numa narrativa que acompanhamos, por exemplo.

De uma maneira mais simples: não rimos de uma pessoa que caminha normalmente pela rua. Rimos se essa pessoa escorregar numa casca de banana e, ao cair aparatosamente, gritar um palavrão, com um forte sotaque alentejano.

A normalidade não é engraçada. O inesperado é.

Pessoas inteligentes, bem formadas, educadas e articuladas serem candidatas a presidente dos EUA deveria ser algo normal. Nem sempre isto acontece.

Donald Trump está aí para provar que o riso é uma arma poderosa. Enquanto grande parte do planeta diz que ele é uma anedota (e ele é), esquece que milhões de americanos talvez queiram exatamente isto: quebrar a lógica.

Os eleitores de Trump são, via de regra, extremistas, fechados ao novo, com um défice de empatia social que beira a psicopatia. O que esquecemos é que esses eleitores não apareceram do nada. Não nasceram ontem. Eles andam por aí há tempos e são muito mal tratados (não digo sem razão) pelo resto das pessoas.

De tanto serem retratados como estúpidos, preconceituosos e loucos, tornaram-se insensíveis a esses tratamentos. Daí que é irrelevante quando Trump é atacado pelas suas piores características. Ao contrário, o seu eleitorado identifica-se. Trump é mais um naquela celerada multidão.

Comento isto porque começo a acreditar que o festival de gafes que vem acontecendo na campanha de Trump é fabricado pela sua própria equipa.

Só esta semana tivemos três momentos: o discurso da mulher de Trump a plagiar um de Michele Obama; Trump a descer umas escadas rolantes numa imagem espelhada a outra em que ele aparecia num episódio dos Simpsons, há dez anos; a mulher de Trump a usar uma bizarra camisa, idêntica a uma que Seinfeld usou num episódio de culto da sua série.

Nos três casos, vejo uma vontade deliberada de gerar ruído, provocar memes, surfar nos meios de comunicação social, que vivem cada vez mais obcecados por faits divers, por piadas prontas, por imagens simples que ajudem a alimentar o monstro dos cliques.

Trump não tem medo de ser ridículo. Trump quer ser ridículo. Depende de ser ridículo para ser eleito.

Enquanto, nervosamente, rimos dele, o movimento que Trump lidera cresce. Se pensa que isto não quer dizer nada, basta lembrar um líder com uma voz estranha, um bigodinho ridículo e umas teses para lá de risíveis.

Se bem me lembro, primeiro o mundo riu dele. Depois ele quase acabou com o mundo.

Ou como diria o meu Tio Olavo: “Se os idiotas voassem jamais veríamos o Sol”.

Edson Athayde escreve todas as semanas no Dinheiro Vivo

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