À boleia da REN, produtores de gás querem mais destaque na transição energética

Victor Cardial, delegado da Associação Ibérica de Gás Natural e Renovável para a Mobilidade, diz que os gases renováveis criarão 500 mil empregos.
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O mais recente alerta chegou da REN - Redes Energérticas Nacionais: a rede portuguesa de gás natural pode tornar-se “ociosa” se não foram encontradas alternativas. Recentemente, João Conceição, diretor de operações (COO) da REN avisou publicamente que a rede de gás natural a nível nacional “pode correr o risco de se tornar ociosa, de não ter utilização”, se não forem encontradas alternativas, devido ao momento “disruptivo” que se vive no setor da energia.

O aviso deixado pela empresa que, em Portugal, opera as principais infraestruturas de transporte e efetua a gestão global do Sistema Nacional de Gás Natural, vai ao encontro da opinião de Victor Cardial, delegado em Portugal da Associação Ibérica de Gás Natural e Renovável para a Mobilidade (GASNAM). "Temos vindo a sensibilizar o Governo para o facto de o gás de origem renovável ser o mecanismo para fazer uma transição energética mais pacífica. Não pode passar tudo pela eletricidade. Não pode ser fonte de energia única. Não é viável nem interessante do ponto de vista económico. Aliás, foi já demonstrado que custaria à economia 9000 milhões de euros centrar a transição energética só na eletricidade. Além disso, seria desperdiçar todo o investimento feito recentemente nas redes de gás natural", defendeu Victor cardial em entrevista ao Dinheiro Vivo, citando um estudo recente que conclui que a economia dos gases renováveis criará na Europa 500 mil novos empregos.

"Temos uma rede de natural que tem entre 10 e 20/30 anos no máximo, e que pode ser utilizada para introduzir os gases renováveis, porque é compatível tanto com o hidrogénio como com o biogás e os gases sintéticos, que servem também para capturar carbono. O biometano ajuda a resolver os problemas com os resíduos, que podem ser valorizados e ainda criar emprego a nível local. As infraestruturas, essas, já existem, não é preciso investir", sublinhou ainda o delegado da GASNAM,

Do lado da REN, João Conceição sublinhou ainda que o gás natural “continua a ser um importante backup” do sistema energético e “uma importante fonte de energia” para os consumidores industriais. Por essa razão, defendeu, ainda se justifica a utilização da infraestrutura de gás natural. Considerando que o setor da energia vive um momento “absolutamente histórico e estruturante a todos os níveis”, o COO da REN advertiu que a transição energética tem de ser feita salvaguardando a “eficiência operacional” e a “eficiência económica”, podendo o gás natural contribuir, nomeadamente, para “dar respostas a alguns desafios tecnológicos”.

Já Victor Cardial também não vê o gás natural a desaparecer do mix energético português e mundial tão cedo. "O gás natural é um combustível fóssil, sim, e as reservas conhecidas até ao momento permitem garantir mais 200 anos. O carvão vem desde os primórdios e ainda cá anda. No futuro vai haver um leque de escolhas e soluções de combustíveis de diferentes tipos, em que cada vez mais grande parte da energia será baseada em fontes renováveis. Mas hoje a produção de eletricidade ainda é feita, em grande parte, através de centrais de ciclo combinado, com recurso a gás natural. O gás natural é fundamental para garantir a estabilidade de todo o sistema energético. Não será possível de alterar, nem desejável", defende.

Versão final PNEC português vai ter mais hidrogénio e gases renováveis

Também o Governo, cuja primeira versão do Plano Nacional de Energia e Clima entregue a Bruxelas há um ano se focava sobretudo na eletrificação da economia e nas energias renováveis, já veio admitir um reforço da aposta no gás renovável. "Toda a área de gases renováveis e do hidrogénio é uma das áreas onde reconhecemos que a versão original ficava aquém do necessário. Agora, na versão final que apresentaremos - e que será aprovada, muito em breve, em Conselho de Ministros e depois enviada à Comissão Europeia, - reconhecem-se as criticas feitas e irá reconhecer-se um papel muito mais importante ao hidrogénio e à generalidade dos gases renováveis, como é o caso do biometano", sublinhou o secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba, que defendeu que o hidrogénio é fundamental para descarbonizar a indústria e o transporte pesado e marítimo, durante um debate recente sobre o hidrogénio promovido pela TSF.

A mesma garantia foi dada pelo governante no seminário "Gás Natural: A solução de mobilidade na transição energética", promovido pela GASNAM. Galamba garantiu que a aposta na eletrificação vai manter-se forte, mas será dada uma atenção redobrada ao gás renovável, nomeadamente ao hidrogénio e ao biometano produzido a partir de resíduos e biomassa, reconhecendo a importância do gás natural na transição energética para uma economia mais sustentável.

"O PNEC final terá uma nova nuance: considerar que os gases renováveis são uma parcela importante da transição energética. Já tínhamos referido isso várias vezes. Esta tomada de consciência que existem outras energias além da eletricidade parece-nos interessante que seja reconhecida pelo Governo, depois das nossas contribuições para a consulta pública que esteve a decorrer. Sugerimos um reforço de toda a área dos gases renováveis, seja o biometano ou os gases sintéticos. Apresentámos as nossas posições. Em toda a Europa já se começou a perceber que não se podia esquecer o papel dos gases renováveis, com o advento do hidrogénio. Esta só será uma solução daqui a umas dezenas de anos, mas no curto prazo temos outras soluções mais económicas, mais viáveis, que também contribuem para o desenvolvimento nacional, sobretudo no biometano. Toda a área dos resíduos é produtora de biogás que depois de purificado é compatível com as estruturas de armazenamento e transportes de gás natural. E podem ser utilizadas as mesmas infraestruturas", frisou Victor cardial.

Governo, REN e GASNAM: Hidrogénio divide opiniões

Já sobre o hidrogénio, as opiniões divergem um pouco. Nos últimos tempos o Governo tem feito bandeira do mega projeto luso-holandês para construir em Sines uma central fotovoltaica de 1 GW e respetiva unidade industrial com vista à produção de hidrogénio verde, que depois será exportado para a Holanda em navios, liquefeito, via Porto de Sines.

O Dinheiro Vivo sabe que já há grandes empresa energéticas portuguesas e holandesas interessadas no projeto avaliado em 600 milhões de euros, que neste momento se mantém em Bruxelas para avaliação com o objetivo de aceder a financiamento comunitário. Fontes conhecedoras do processos garantem ao Dinheiro Vivo, no entanto que o valor de uma unidade de produção de hidrogénio desta dimensão, em território nacional, deverá rondar mil milhões de euros, acima do previsto.

Com o Executivo a apostar no projeto de Sines, a REN garante também estar “já a olhar para soluções de incorporação de hidrogénio” naquela rede. “O caso do hidrogénio é um exemplo bastante interessante que nós na REN estamos a olhar com bastante atenção”, afirmou João Conceição, acrescentando que “hoje ainda não se produz hidrogénio porque é demasiado caro ou pouco competitivo em termos económicos”.

Na visão do delegado da GASNAM, no entanto, o hidrogénio ainda "vai demorar muitos anos a ser uma alternativa porque não é uma tecnologia que esteja madura. Só a partir de 2030 teremos uma economia do hidrogénio, mas a economia do biometano já existe em vários países da Europa, como a Alemanha e a Suécia".

Enquanto Associação Ibérica de Gás Natural e Renovável para a Mobilidade, a GASNAM avisa que "no transportes pesado de passageiros e de mercadorias não existe uma solução elétrica. Mas temos uma solução com o gás natural e com os gases renováveis". "Para uma transição energética na mobilidade pesada, o gás natural será o primeiro passo, que depois pode ser reduzido e incrementado com gases renováveis e sintéticos, sem qualquer investimento extra na rede".

Victor Cardial vai mais longe e defende: "Não vai toda a gente comprar carros elétricos, por vários motivos, pelos custos, pela dificuldade de carregamento, pela autonomia. Assistimos a uma ideia simplista e doutrinária em torno da eletricidade que não tem sentido. Todos estamos conscientes da necessidade da transição energética. A solução passa por termos cada vez mais energia renovável. Mas o que não se pode fazer é apostar só numa solução, termos custos enormes e não termos resultados a curto prazo. A solução passa por tentar aproveitar as energias mais limpas ao nosso alcance, incorporar mais fontes de renováveis e termos alternativas mais cedo".

E dá exemplos: Em Mirandela já existe neste momento uma instalação experimental de produção de biometano, cujo gás é usado nos veículos de recolha de veículos sólidos. Um projeto com um investimento de cerca de um milhão de euros. Além disso, já existe em Portugal uma empresa que produz equipamentos de purificação de biogás, com engenharia e tecnologia nacional. "Agora são necessárias as instalações de transformação dos resíduos provenientes de ETARs, agropecuárias, entre outros, por todo o país. Toda a pequena localidade poderá produzir o seu gás renovável para vários fins".

"O crescimento deste mercado vai tornar interessante o investimento nestas tecnologias. O Secretário de Estado disse que vai deixar e haver incentivos à produção de eletricidade renovável e vai ser tudo concentrado na produção de gases renováveis no próximo quatro comunitário de apoios. É preciso fazer investimentos para que os gases renováveis concorram com o gás natural e para isso são precisos mais apoios", rematou Victor Cardial.

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