A derrocada do Alojamento Local

Publicado a

A complexidade de uma questão afere-se pela discussão que causa, não só na comunidade jurídica, mas também na sociedade civil. As regras referentes ao Alojamento Local são um verdadeiro exemplo do quão críticas e conflituantes podem ser algumas matérias.

O facto de a propriedade horizontal representar a modalidade mais corrente na aquisição de habitação, aliado ao facto de o fenómeno do Alojamento Local, com o boom turístico, se ter desenvolvido exponencialmente, fez emergir a questão sobre a limitação ao direito de propriedade nos condomínios.

Esta realidade socioeconómica pôs em confronto dois direitos. Por um lado, os direitos dos condóminos e, por outro lado, o direito de propriedade, nomeadamente o direito dos proprietários de um imóvel o explorarem sob o regime do Alojamento Local. Apesar da instabilidade do regime jurídico do Alojamento Local se ter aligeirado com as sucessivas alterações à lei que regula esta prática, muitos condóminos continuavam a tentar impedir o crescimento do turismo nos prédios habitacionais.

No entanto, se até ao momento se registavam algumas divergências quanto ao entendimento jurídico a dar ao problema, agora, o Supremo Tribunal de Justiça veio decidir e uniformizar a questão: "no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo de que certa fracção se destina a habitação deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de Alojamento Local". Quer isto dizer que se constar no título constitutivo de uma fracção que a mesma se destina a "habitação" - o que acontece na quase generalidade delas - tal significa que não será possível explorá-la sob o regime do Alojamento Local.

Esta decisão, verdadeiramente protetora do "estatuo condominial", não é pioneira. Em tempos, o Tribunal da Relação do Porto já tinha decidido no mesmo sentido. No entanto, enquanto antes se tratava de uma querela a decidir casuisticamente, agora, o acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça veio esclarecer toda e qualquer controvérsia em torno do assunto, privilegiando, claramente, os direitos dos condóminos, em detrimento dos proprietários dos imóveis, limitando este direito.

Como se não bastasse, aquele Tribunal decidiu ainda que a medida ora implementada se aplica "a todos os alojamentos locais, seja qual for a data de autorização da atividade. Desta forma, qualquer condómino pode, agora, exigir o fim do Alojamento Local no prédio onde vive, mesmo que esse alojamento funcione há muitos anos". A incerteza associada a este segmento decisório pôs em alvoroço os proprietários de frações que se encontram a explorá-las em regime de Alojamento Local que, não compreendendo esta limitação ao seu direito de propriedade, não encontram resposta segura para o problema. A solução mais evidente passará por procederem ao cancelamento do registo do Alojamento Local ou pela alteração do título constitutivo.

Esta decisão foi tomada com o voto de vencido de dois juízes concelheiros que, desde logo, advertiram para o seu perigo, nomeadamente para o aumento dos litígios. É que, embora esta decisão não seja amplamente vinculativa, a verdade é que os tribunais inferiores serão forçados a segui-la, o que acarretará inúmeros prejuízos para os investidores, que, por simpatia, causarão um grande impacto no sector imobiliário e no turismo, cenário que poderia (e deveria) ter sido evitado através de uma alteração legislativa ponderada e justa para ambos - quer condóminos, quer proprietários.

A boa intenção do Supremo Tribunal de Justiça não ditará a ruína do mundo, contrariando o presságio de Oscar Wild, mas o preço a pagar por uma uniformização amplamente desequilibrada será o fim e a ruína do Alojamento Local.

Nuno Cerejeira Namora, advogado especialista em Direito do Trabalho

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt