À espera do milagre

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Ninguém se admirará se disser que Portugal tem um problema estrutural de competitividade: nos rankings internacionais, podemos subir 1 ou 2 lugares que logo a seguir os perdemos. A quase estagnação da produtividade nos últimos 10 anos é o indicador mais forte de que não poderia deixar de ser assim. A outra consequência? Os salários não podem aumentar.

Isto não vai lá com milagres, sejam encomendados administrativamente, como fez o primeiro-ministro, nem com míticas, e mediáticas, transformações estruturais trazidas, de um dia para o outro, por inovações disruptivas associadas a empreendedores visionários. Há quase 30 anos, Porter alertou que é mais lógico evoluir a partir daquilo que sabemos fazer. Não por protecionismo, nem para aprofundar a especialização, mas para lhe dar um cariz qualitativamente diferente, com o foco na investigação e inovação, promovendo a diferenciação dos produtos e a criação de mais valor acrescentado. O que exigiria a depuração do tecido empresarial, por via do reforço da concorrência, estimulando a qualidade de gestão. Em paralelo, o Estado tinha, também ele, que fazer o que nunca houvera feito: modernizar-se, reforçar a educação e qualificação das pessoas, criando um contexto atrativo para o investimento estrangeiro, indutor de novas especializações, urdindo uma rede de cumplicidades que culminaria na ligação ao sistema científico e tecnológico e na criação de novas empresas.

Passaram 30 anos. Tempo suficiente para esquecer conselhos. Na altura, o enunciado da política industrial mudou, ganhando uma outra consistência, à revelia do discurso dominante que tinha notáveis similitudes com algum que por aí campeia. O enunciado! Na prática, sem paciência para uma evolução gradual, apostámos nos milagres e nos milagreiros, sempre acompanhados por fogueteiros de ocasião e por inertes, e poderosos, burocratas plantados nas instâncias decisórias.

O resto é história. Triste, como documenta o "Estado da Nação" divulgado pela Fundação José Neves, num diagnóstico algo diferente do habitual. E agora, por onde vamos?

Alberto Castro, economista e professor universitário

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