A Europa na crise: todos juntos ou cada um por si?

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A UE enfrenta uma das suas maiores crises de sempre. Arrisco dizer que se trata de uma crise existencial. O projeto europeu assenta, desde Monnet e Schuman, no compromisso em torno dos valores da democracia liberal. Ora, assistimos hoje, em vários países da Europa, à ascensão ao poder de movimentos populistas, nacionalistas e antissistema e ao estabelecimento de regimes democráticos ditos iliberais. O chão comum que sustenta o espírito comunitário europeu está, pois, a esboroar-se.

Por outro lado, a UE vê-se confrontada com blocos geopolíticos bastante poderosos e com interesses, mundivisões e comportamentos que conflituam com a tradição política e cultural europeia. Blocos que manifestam uma oposição crescente à Europa em questões que se prendem com os conflitos militares, a influência geopolítica, o comércio internacional, a transição digital, energética e climática, a pressão migratória ou os direitos humanos. Blocos para quem, sejamos claros, o projeto europeu é indesejável e a quem interessa, por isso, o exacerbar das clivagens entre os 27. 

A tudo isto acresce a estagnação económica da Europa, a falta de perspetivas de crescimento, o défice de competitividade em setores críticos e o espetro de uma nova crise da dívida. As maiores economias europeias, a alemã e a francesa, estão em risco de recessão e a situação não vai melhorar tão cedo, dada a instabilidade política que os dois países vivem. Acresce que apenas três países da zona euro, um deles Portugal, não vão ter um agravamento dos juros da dívida pública até 2034. Isto significa que não tardará a ouvirmos com insistência a palavra maldita: austeridade. 

Numa altura em que são necessários fortes investimentos públicos e privados, como defende o relatório Draghi, a Europa tem falta de recursos financeiros. Numa altura em que é exigida convergência estratégica entre os Estados-membros, a Europa está dilacerada por divergências político-ideológicas. Numa altura em que o comércio internacional corre o risco de ser asfixiado pelo protecionismo, a Europa revela falta de capacidade para se reindustrializar, para desenvolver produtos mais inovadores e competitivos, para encontrar novos destinos de exportação, para reformar o mercado único e libertar o seu potencial. 

Trump não deixará de explorar estas debilidades da Europa e de promover o dissenso entre os 27, designadamente através de cavalos-de-Troia como o Sr. Orbán. À semelhança do que fez no primeiro mandato, o futuro presidente dos EUA tentará ignorar as instâncias comunitárias e relacionar-se diretamente com os países europeus. Trump sabe que tem vantagens em negociar com cada um dos Estados-membros individualmente, marginalizando a UE. 

Neste cenário, apelar à convergência e ao consenso na Europa parece tão descabido como incitar à festa num velório. O dilema apodera-se das nações europeias: a solidariedade ajudará os países europeus a levantar a cabeça ou, pelo contrário, a crise atual irá revelar o caráter irredutível das nações?

Creio, contudo, que não há outra saída para a crise europeia senão o aprofundamento da componente supranacional do projeto europeu, o reforço do nível de cooperação entre os 27 e o alargamento das competências comunitárias a mais áreas. 
Importa ainda que a economia esteja no centro da agenda europeia, indo ao encontro das preocupações e propostas do relatório Draghi. O crescimento económico é o melhor antídoto contra o populismo e a argamassa capaz de preservar a coesão da UE, salvaguardando os seus princípios fundamentais e restabelecendo a confiança no projeto europeu. 

Se não for este o caminho, a Europa ficará ainda mais frágil e isolada no mundo.


Presidente da CIP

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