A imigração não pode ser o único motor da economia

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Após a pandemia, a economia portuguesa tem surpreendido tudo e todos. Por exemplo, o Orçamento do Estado (OE) de 2023 previa um crescimento de 1,3%, mas acabámos por verificar um crescimento de 2,4% – quase o dobro do previsto. Para este ano, o OE de 2024 previa 1,5%, mas todas as previsões oficiais apontam para um crescimento superior, podendo chegar aos 2%. Os bons números do crescimento da economia sempre foram utilizados pelos governos para demonstrar que a qualidade de vida está a melhorar devido às suas políticas. A lógica é muito simples: mais riqueza gerada dividida pelas mesmas pessoas significa que, em média, cada pessoa recebe mais riqueza e, portanto, poderá gastar mais na procura da sua felicidade.

Atualmente, esta lógica pode falhar por duas dinâmicas socioeconómicas recentes, podendo camuflar vários problemas sérios na nossa sociedade. Primeiro, o crescimento recente tem sido sectorialmente desequilibrado, favorecendo o turismo. Isto pode implicar que quem trabalha no turismo está melhor, enquanto quem não trabalha nesse setor pode estar pior. É por isso que, apesar deste crescimento surpreendente, os despedimentos coletivos atingem recordes desde os tempos da Troika.

Segundo, a outra dinâmica que está a pôr em causa a lógica do crescimento é o ritmo de imigração. Obter dados em tempo real da imigração é um desafio, porque os últimos dados oficiais rementem-nos para 2022, mas é possível contornar este problema com os dados da população ativa que o INE estima todos os meses (somando os empregados com os desempregados). Olhando para estes dados, o ritmo de crescimento da população ativa está em máximos históricos desde que há registos: de 2021 para 2023, houve um aumento de 208 mil pessoas, mais do que o aumento pós-25 de abril com os retornados e com a entrada das mulheres no mercado de trabalho (o crescimento máximo em dois anos foi de 191 mil). Só em 2023 a população ativa aumentou 124,7 mil pessoas, que se compara com o aumento de 122,5 mil de 2014 a 2019. Ou seja, a população ativa aumentou num só ano o equivalente àqueles cinco anos.

É, por isso, que a lógica do crescimento tem de ser revista: com mais pessoas a trabalhar, a riqueza gerada tem de ser dividida por mais pessoas. Ou seja, para avaliarmos se cada pessoa está, em média, a receber mais, é imperativo dividirmos a riqueza pelas pessoas na economia. E aqui os dados económicos surpreendentes de 2023 mostram outra história. Se dividirmos o PIB pela população ativa, não houve crescimento por pessoa em Portugal em 2023. Ou seja, o PIB cresceu 2,4%, mas em média cada pessoa acabou por produzir o mesmo. Parece que o único motor da economia foi a imigração.

Se cada pessoa produzir o mesmo, os salários não podem aumentar. Isto significa que se o PIB crescer ao ritmo da população, os rendimentos não aumentam e os efeitos da gentrificação do país poderão até aumentar despesas como a habitação, piorando a vida das pessoas. Ou seja, a vida das pessoas pode piorar mesmo que o PIB aumente. Portanto, para que as pessoas fiquem mais ricas, tem de ser via aumento daquilo que conseguem produzir; ou seja, via aumento da sua produtividade. Só com aumentos de produtividade é que os salários aumentam, e aqui os grandes responsáveis são as empresas. É preciso continuar a investir em tecnologia e inovação para aumentar o valor acrescentado dos produtos, aumentando consequentemente a produtividade. Nem as empresas nem o governo se podem dar ao luxo de adormecer à sombra dos números agregados do crescimento económico.

Filipe Grilo, docente convidado da Porto Business School e especialista em Economia

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