O empreendedorismo está na moda. Desde o empreendedorismo mais sofisticado, com base tecnológica, até ao empreendedorismo de subsistência para criação do próprio emprego, a palavra de ordem é arriscar. Spin offs de projetos académicos, micro empresas com base em ideias práticas e simples, o que interessa é ser dono do seu próprio negócio, da sua agenda e da sua vida. Mais do que um trabalho, ser empreendedor é um modo de vida.
Vivam cada dia como se fosse o vosso último dia, larguem tudo e persigam o vosso sonho. É quase um conceito hippie chic, é super cool ter uma Start up. O que interessa é ter uma ideia - de preferência com originalidade - e ter alguns que a suportem (leia-se que invistam). Começa-se pelos três FFFs: Family; Fools; Friends. Alguém irá subsidiar o início do negócio, seja algum familiar, um amigo, ou um idiota. E se tudo correr bem e o negócio tiver tração, começam as rondas de investimento, ie, profissionais com a capacidade financeira para que suportem altos voos. Para que a empresa chegue a mais pessoas. Sem dinheiro não há festa. Com dinheiro, há hipóteses.
Parece irónico o que escrevo, mas até estou na onda do empreendedorismo. É uma panaceia para a falta de emprego e é a oportunidade para arriscar e criar algo novo. Existe melhor sensação de realização do que sair da zona de conforto e fazer algo a partir do zero? E não foi assim que foi criado o Facebook, o Instagram, o Uber ou o Tweeter? Pois vou dar-vos outros exemplos, também eles super interessantes. Já ouviram falar da Quirky, do Leap ou do Grooveshark? Acredito que não.
O Quirky era uma plataforma em que os inventores se podiam conetar com empresas e investidores para que estes "produzissem" as suas ideias. Parecia uma boa ideia e levantou incríveis 185 M. de USD, mas, entre outros problemas, parece que não surgiam boas ideias a um ritmo suficiente e a Start up acabou a declarar falência. O Leap transito tinha uma ideia parecida com o Uber, um transporte diferenciado e mais luxuoso. Ao invés de prestar o mesmo serviço que os táxis, ia prestar o mesmo serviço que os autocarros. Péssima ideia. Esta Start up, que havia arrecadado 2,5 M. de USD, falhou estrondosamente. O Grooveshark queria disponibilizar streaming de música para todos completamente de graça, como um Spotify mas sem cobrar absolutamente nada. Levantou 6 M. de USD, mas foram tão processados por artistas e gravadoras que ficaram com uma dívida inacreditável de mais de 17 bilhões de USD. O Secret, que até funcionou no início, era um aplicativo em que os utilizadores podiam desabafar anonimamente, mas foi severamente afetado pelos boatos, ataques anónimos e segredos alheios que iam sendo revelados sem consentimento. Conseguiu arrecadar 35 M. de USD para ser lançado, mas acumulou ainda mais problemas e processos judiciais.
Conclusão: a melhor maneira de guardar um segredo é não o contar a ninguém. E o facto de se conseguir levantar dinheiro de investidores não é garantia de sucesso. Uma má ideia é sempre uma má ideia, mesmo que muitos idiotas apostem nessa ideia. Se procurarmos, encontramos outros exemplos de fracassos. Uma das coisas que mais impressiona são os números por detrás dos fracassos. Houve literalmente milhões de euros que suportaram ideias que nunca chegaram a sair do chão. Qual então o racional que motiva tanto investimento em empresas que depois não funcionam?
Existem obviamente vários fatores críticos para o sucesso: ter uma boa ideia, gestão civilizada, dinheiro suficiente para levar a ideia a bom porto, foco no cliente e no mercado (de que interessa ter uma boa ideia se o produto ou serviço não são vendidos?), flexibilidade e resiliência (quero dizer capacidade de adaptação e persistência da equipa de gestão), e rapidez para fazer acontecer.
Mas julgo que uma das principais condicionantes se prende com o facto de, presentemente, o sucesso de um negócio ser bem mais difícil do que há 30 anos atrás. Num mundo global, há mais concorrência. Tudo é mais rápido. Os empreendedores estão melhor preparados em todo o lado. Quando alguém pensa que tem uma ideia inovadora, o mais provável é que estejam a nascer 20 ou 30 negócios, do mesmo tipo, em outras geografias do globo.
Os melhores negócios são aqueles que são escaláveis, que se podem vender em todos os países do mundo. É o big ticket, o El Dorado das Start ups: ter um negócio que venda bens ou serviços a todos os habitantes do planeta. Ora, com a globalização é mais fácil chegar a todo o lado e por isso são muito poucos os que sobrevivem, já que os mais fortes (com mais dinheiro para investir) acabam por esmagar todos os outros. É neste mundo que vivemos.
Uma nota final acerca de levantar dinheiro. É um processo complexo, eu diria que é quase um negócio. Há técnicas para fazer acontecer. Contar uma boa história, expor a ideia com clareza e convicção. Falar com as pessoas certas. O problema é que as pessoas certas (com o dinheiro na mão) também erram e queimam dinheiro a uma velocidade estonteante e muitas vezes de forma anónima. Quando há falhanços flagrantes, é a cara da empresa (o empreendedor ou fundador) que fica com o anátema do erro, com o ónus do fracasso.
É importante acertar, mas que acertem todos.
João Rafael Koehler é investidor e ex-membro do Shark Tank Portugal