A importância de se chamar Ernesto em 25 de Novembro

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Digam o que quiserem, falem o que quiserem, façam ou não façam as comemorações que quiserem; certinho é que na maior parte das vezes, ninguém prenuncia o nome do verdadeiro herói do 25 de Novembro. Ninguém explica como um único homem, a sua acção e a sua palavra salvaram Portugal de uma guerra civil. Esse homem chamava-se Ernesto Melo Antunes.

Muito é o que não sabemos sobre a tentativa de Golpe do 25 de Novembro de 1975. O que nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? O golpe ou o contragolpe do 25 de Novembro? Há múltiplas opiniões e historiografia, e cada um puxa a brasa aos seus heróis e aos mais diferentes factos.

Certo, é que com esse dia acabou a agitação do Processo Revolucionário em Curso; e que Eanes foi um líder militar sólido e consistente, o que lhe deu o protagonismo suficiente para mais tarde ser Presidente da República; e com o tempo e acção tornou-se numa referência ética do país.

Certo, é que quem foi o operacional do contragolpe (porque do golpe pouco ou nada sabemos!) foi Jaime Neves. Um homem aguerrido, com a verve na boca, conhecido pela famosa frase: "Os cães ladram, a caravana passa".

Jaime Neves, pelo seu posicionamento ao longo dos anos, acabou por se transformar um símbolo de todos os que desdiziam na Revolução dos Cravos, revolução na qual até tinha participado. E com o passar dos anos tornou-se numa espécie de herói dos indefectíveis defensores de Salazar.

Mas no meio da confusão do 25 de Novembro, houve um homem, um militar, um intelectual, que disse basta! Que colocou as cartas na mesa: não haverá nenhuma revolução comunista, mas também não será possível erradicar o Partido Comunista ou outros partidos revolucionários da esquerda do sistema político português. As suas palavras tiveram naquele momento um peso monstro, Ernesto era o autor do Documento Melo Antunes, mais tarde rebaptizado de "Documento dos Nove"; e integrava o Conselho dos Vinte, o Conselho da Revolução e o Conselho de Estado.

Este documento tinha sido a primeira "revolta" contra "o caminho que as coisas estavam a tomar, isto é, o caminho de levar Portugal a tornar-se um país cada vez mais próximo do modelo soviético" e que tentava "impor um certo modelo de socialismo militar".

Melo Antunes, nesse documento publicado a 7 de Agosto de 1975 (quatro meses antes do dito golpe ou contragolpe), defendia uma forma de "conduzir o país na ordem democrática e na ordem económica e social".

Ernesto foi o primeiro a tentar travar o rumo que a Revolução de Abril então seguia. E o Documento dos Nove foi a linha orientadora que nos rumou à normalização democrática, e que veio dar lugar à retirada dos militares da condução dos destinos do país.

A importância de Melo Antunes estava em ser sólido, culto, intelectual, e em estabelecer pontos entre todos os sectores. Era uma referência pensante e por isso foi respeitado.

Todo o processo revolucionário deve ser comemorado, e não há data que não tenha uma data anterior e outra posterior, ou como dizia José Mário Branco, «que dia é hoje»?

Carlos Moedas, antes de se candidatar a Lisboa era um desses raros políticos portugueses que era respeitado da direita à esquerda. Conhecido pela sua tecnicidade, falava para todos os sectores da sociedade, e revelava nos lugares que tinha desempenhado solidez e diálogo.

Mas um dia disseram-lhe que podia ser líder e, quem sabe, mesmo primeiro-ministro; mas teria que ser um pouco mais aguerrido, político no mau sentido, populista, falar apenas ao coração da direita e daquilo que lhe disseram ser o seu eleitorado. Quis ser o verdadeiro líder da oposição, e tornou-se numa espécie de Ventura Chic, revelou-se arrogante e nunca mais parou. Deixou-se controlar por especialistas em comunicação, por spin doctors e marqueteiros. Parece uma espécie de cata-vento a tentar agarrar protagonismo, como um santo ateu em cima de um altar.

As comemorações do 25 de Novembro pela Câmara de Lisboa foi mais uma dessas formas de se colocar em bicos dos pés. Para uns, está a homenagear a personagem controversa de Jaime Neves. Para outros, está a enfrentar os comunistas e com estes toda a gerigonça (mesmo que historicamente Soares tenha sido o pai da nossa transição democrática).

Moedas, filho de um comunista, parece agora ter esquecido todo o diálogo pedagógico necessário para compreender as diferentes forças então existentes e compreender as suas ambições no seu tempo.

Moedas andou para trás no tempo, regressou a Março de 75, e está somente a fazer a utilização política de uma data, sem finalidade ou rumo; e com isso já ninguém percebe para onde quer ir ou o que pretende para a além de ser líder. Afinal qual é o rumo de Moedas?

(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

("Até às eleições" é o mote para uma sequência de artigos de opinião, de segunda a sexta-feira, de Duarte Mexia (duarte.mexia@gmail.com), que serão publicados, precisamente, até à realização das próximas eleições Legislativas, marcadas para 10 de março.)

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