Diz que de manhã é que estava bom. Mas já não sou mãe das manhãs: eles cresceram e eu também. Ainda assim, há crianças.
- Vai brincar com aqueles meninos - dizemos nós enquanto a criança se enrola na areia, colada.
- Quero um gelado.
E damos: um gelado, uma bola de Berlim, um sumo. Damos tudo. Afinal, o dinheiro das férias também é para isso.
- Mas aqueles meninos têm a tua idade, vai lá - insistimos.
- Não quero - responde ele a fazer-nos sombra. Eu também não ia querer, essa é que é a verdade: se alguém me obrigasse a ir conviver com um grupo de pessoas de meia-idade só porque o grupo é de pessoas da meia-idade também faria uma birra.
- Então, vai tomar banho com os teus irmãos.
- Não quero, tenho frio.
- Não é nada, é medo das ondas, estás todo encarnado do calor e a areia já cola. O mar está calmo...
- Não vou! Tenho frio.
- Não vás, mas parem de atirar areia uns aos outros e não gritem. Já te disse para não puxares o teu irmão se ele não quer ir à água.
- Ele é estúpido.
- Estúpido és tu. Levas.
- Dá lá!
- Não corram que atiram areia às pessoas. Saiam daqui! Parem de lutar.
Vai um de castigo para cima, onde a areia está mais quente e onde não o oiço. Talvez assim, neutralizando um dos agentes da agitação consiga a paz. Só que não: fico a ver se ninguém o leva, se ele não foge da praia para me fazer correr. A paz vem, mas podre.
- Venham pôr mais creme - mas já vou tarde a ver pelas cores de cada um.
A rotina do creme é a pior de todas. Uma vez pus creme a um deles que ainda nem falava e a criança berrou durante tempo demais. Demorei tempo demais a perceber que a origem do choro era o creme invisível a cair da testa e a entrar nos olhos. As testas, agora, ficam como vão.
Olhamos em direção ao horizonte e contemplamos grupos de filhos da idade dos nossos a brincar, a conversar, aos saltos dentro de água. "Onde é que eu errei?". Separamos os miúdos, separamo-nos do livro e levantamo-nos porque perdemos. Quando, quando chegará o dia em que voltarei a poder ler na praia? Quando podia não lia e agora que leio não posso. Acho que nunca mais chegará esse dia e, se chegar, será numa idade em que me vão doer as costas. Lembro-me quando dormia profundamente ao som dos passos dos outros na areia e das ondas a bater. Será que aconteceu mesmo? Hoje, nem na cama adormeço tão bem.
- Então, venham. Vamos passear.
- Onde? Quando é que vamos embora.
- Quando em apetecer. Quem é que quer fruta?
- Quero água, mas água está quente.
- É o que há.
As coisas ajustam-se ao final do dia. Depois de horas a lutar pelo sossego, eles rendem-se à prisão da praia. Por magia, começam a brincar ordenadamente, como uma orquestra, e dão uso às raquetes, às bolas e a todo o material de apoio que nos custou a transportar.
- Em cima de mim, não. Vão mais para baixo que têm mais espaço.
Tudo em ordem. Vou ler, finalmente. O sol baixa, a praia esvazia e as gaivotas regressam a medo. E a eles, que me faziam sombra, nem os oiço. Mas não leio porque adormeço torta até o frio me acordar.
- Agora ponham-se todos aí para tirarmos uma fotografia.
Os sorrisos abrem-se, alguns até se abraçam, o pôr do sol vem de propósito para fazer de cenário e a fotografia congela um dos escassos momentos de um dia de praia que aparece maravilhoso na fotografia. Tudo o resto, das birras ao creme, fica enterrado na areia. E as redes sociais enchem-se destas fotografias.
São assim os dias de praia e é assim que mostramos as nossas vidas: feitos de momentos partilháveis mas nem por isso memoráveis. A verdade, essa, é todo o resto do dia (ou da vida).
Inês Teotónio Pereira, jurista