
David Abrantes defende que a inteligência artificial (IA) já é uma competência diferenciadora no recrutamento tecnológico e que a formação contínua é crítica para o crescimento profissional. A Olisipo, uma empresa portuguesa especializada em gestão de carreiras de profissionais da área tecnológica, formação e desenvolvimento de talentos, aposta num modelo de carreira flexível, com projetos diversos e formação prática acessível. Para o diretor de Talento, o acompanhamento emocional dos colaboradores é hoje tão importante como as competências técnicas.
Hoje em dia, especialmente no setor tecnológico, parece que o diploma universitário já não é o único passaporte para uma carreira de sucesso. Que importância real tem hoje o curso superior no recrutamento?
Depende sempre um bocadinho da própria necessidade do cliente, portanto da função que vai ser desempenhada. Se for uma função mais ligada à área de engenharia propriamente dita, é certo que ter as bases de um curso universitário é bastante importante para que a pessoa consiga, efetivamente, desempenhar o seu papel no dia a dia. Obviamente, existem outros tipos de funções em que, através de formação adequada, é possível dotar as pessoas das ferramentas necessárias para desempenharem esses papéis nas empresas. Há, no entanto, funções que requerem mais desenvolvimento estratégico, arquitetura de soluções, algo mais sustentado ao nível de processos de engenharia e, nesse caso, o curso superior continua a ser determinante.
Há, contudo, outras funções para as quais os cursos de formação profissional já garantem carreiras de sucesso, especialmente para os jovens?
Sem dúvida. Temos parcerias muito interessantes com escolas profissionais e técnicas, como a TEC e a Citeforma, por exemplo, em que integramos nos nossos projetos estagiários acabados de formar nesses cursos. Quando demonstram um bom desempenho, no final do estágio podem ser integrados nos nossos clientes. Portanto, sim, essa formação técnica mais especializada, para algumas funções específicas, é, sem dúvida, imprescindível.
E quais é que são essas competências que fazem realmente a diferença?
Os cursos técnico-profissionais, tipicamente, têm uma oferta formativa muito focada naquilo que são as particularidades da tecnologia. Isto torna as coisas muito interessantes do ponto de vista do cliente, porque, efetivamente, existe aqui uma preparação — não tanto a nível de processos, mas muito focada naquilo que é a própria tecnologia que é utilizada no dia a dia. E, com isso, os alunos estão cada vez mais preparados. Existem também, nestas instituições, já formações e até certificações que permitem aos candidatos ter essas valências que são solicitadas no mercado.
A inteligência artificial hoje no currículo é incontornável na contratação de novos talentos?
Sem dúvida que sim. E aqui tem muito a ver com aquilo que é a preparação futura das empresas: todas elas, irão passar por este processo de transformação para a inteligência artificial, adaptando as ferramentas que utilizam no seu próprio dia a dia. Mesmo a nível de processos, é importante que consigamos distinguir, efetivamente, aquilo em que a própria IA nos consegue beneficiar em termos de proposta de valor. E, portanto, obviamente que ter este tipo de conhecimentos torna o candidato mais capaz de enfrentar os desafios do próprio mercado.
Os vossos clientes já o exigem?
Já começam a exigir, principalmente para algumas funções. Agora, com esta nova realidade, também começam a surgir novas funções, como os prompt engineers — pessoas que efetivamente já sejam capazes de comunicar com as máquinas, fazê-las aprender, para que consigam depois tornar os seus negócios mais eficientes.
Acredita que a formação contínua é vista como um dos fatores críticos para a retenção?
Sem dúvida. E numa área tecnológica, onde tudo muda rapidamente, apostar em formação e certificações específicas ajuda muito no crescimento ao longo da carreira.
E de que forma é que vocês ajudam, quer sejam os vossos colaboradores, quer sejam quem vocês integram noutras empresas, através da formação?
Contamos com o nosso centro de formação, que é especializado e certificado, em que todos os nossos colaboradores têm acesso de forma totalmente gratuita. E também, obviamente, está aberto a todo o mercado. Portanto, qualquer pessoa pode vir ter connosco, se tiver interesse por esta área mais tecnológica, e fazer os cursos que disponibilizamos, para eventualmente fazer depois uma integração no mercado.
Esses cursos são muito direcionados para as necessidades do mercado?
Sempre. Tentamos sempre fazer aqui pontos de situação regulares, tentar perceber aquilo que são as próprias tendências do mercado, isto muito com base na análise de dados que vamos tendo disponíveis. E, portanto, definimos aquilo que é a nossa oferta formativa com base nesses pressupostos.
Como é que o reskilling pode ser transformador na vida profissional de uma pessoa?
Bastante. Já tivemos aqui muitas situações de pessoas que, efetivamente, não tinham qualquer tipo de conhecimento na área da tecnologia, vieram ter connosco, pediram-nos ajuda — e essa é uma das nossas funções também, enquanto empresa de recrutamento: aconselhar e dar dicas para que as pessoas consigam, efetivamente, depois entrar numa carreira nesta área das tecnologias. Mas, através do nosso centro de formação, conseguimos ajudá-las a definir um plano, através de algumas formações e certificações, que — dependendo do caminho que pretendem seguir — permite depois essa possibilidade de dar continuidade.
Ao longo destes 30 anos, a Olisipo posicionou-se como uma aceleradora de carreiras, acompanhando profissionais desde o início até às fases mais maduras das suas carreiras. O que é que torna este modelo eficaz num setor onde o talento é tão disputado?
Sem dúvida. A Olisipo, desde o início, é conhecida no mercado por ser uma empresa que aposta muito no acompanhamento e na proximidade dos seus colaboradores. Existe aqui, efetivamente, uma preocupação em perceber em que fase da vida as pessoas estão e como pretendem fazer essa evolução. E, hoje em dia, temos empresas de grandes setores de negócio, com pessoas que passaram pela Olisipo, através dos nossos projetos, e que são grandes decisores. Grandes decisores que, atualmente — dada a experiência que tiveram connosco — acabam também por ser já nossos clientes. E, obviamente, acabamos por ter aqui um negócio crescente.
Alimenta também um círculo virtuoso, é isso?
Conseguimos, de alguma forma, acrescentar e agregar valor aos projetos dos nossos clientes. Sabendo de antemão a experiência que tiveram connosco, esses decisores, muitas vezes, recorrem à Olisipo para nos pedir ajuda, para identificar talento — talento que, muitas vezes, nós sabemos que é escasso.
Como é que olham para esta evolução do mercado de trabalho tecnológico e para o esforço de conseguir alimentar um recrutamento tão competitivo, em áreas altamente competitivas?
Com particular atenção. E aqui, obviamente, temos uma equipa de board, que desenha toda a estratégia da empresa, com foco nas próprias tendências de mercado, apta também a adaptar-se àquilo que são as necessidades. Portanto, se amanhã for outro tipo de área — que não seja a própria tecnologia — estamos disponíveis também para começar a apostar noutras vertentes de negócio, como é óbvio.
Quando olhamos para esses perfis mais séniores, que falava ainda há pouco, que deram origem àquilo que é o empreendedorismo — ou seja, à capacidade dessas pessoas acrescentarem valor neste ecossistema da inovação, da criação de novas empresas, de startups — como é que vocês olham para esse ecossistema?
A Olisipo aposta muito na inovação e no empreendedorismo. Por isso fazemos parte de um grupo que é a Olisipo Way, que conta atualmente com diversas empresas nesta área, muito focadas em soluções personalizadas, que são utilizadas no dia a dia de cada um de nós. E existe esse cuidado em perceber para onde nos devemos dirigir nesse sentido.
A Olisipo Way está a investir — é uma investidora hoje em startups neste ecossistema. Como é que isso vos vai ajudar também a tornar este mercado tecnológico mais robusto e a criar verdadeiras oportunidades de trabalho e de colocação de talento no mercado?
A Olisipo Way é um investidor — sobretudo nesta área tecnológica — que está também a pensar na forma como pode ajudar a atrair estes candidatos. Existem possíveis estratégias de desenvolvimento de soluções à medida, muito com base naquilo que poderá ser a inteligência artificial, para encontrar ferramentas que nos ajudem, obviamente, no dia a dia, a encontrar esse talento.
E quando olham para perfis séniores com experiência em startups, mesmo que tenham falhado, há valor aí?
Sempre. Mesmo que uma ideia falhe, isso não quer dizer que não possa vir a ter sucesso no futuro. E sim, temos clientes que valorizam candidatos com esse tipo de percurso, pela experiência e resiliência que demonstraram.
Do ponto de vista do recrutamento, o que é que terá mais impacto imediato em Portugal e como as empresas se estão a preparar para isso?
As empresas estão a olhar muito, nesta perspetiva do recrutamento, para aquilo que é a experiência do candidato ao longo de todo o processo. O que a Olisipo fez foi desenhar um processo em que existe, na fase de entrevista, um momento de partilha bilateral de conhecimento — entre ambas as partes — e a apresentação de várias oportunidades, para que o próprio candidato, após uma deliberação, consiga ele próprio decidir qual o processo de recrutamento em que quer integrar-se. Portanto, damos essa possibilidade de escolha múltipla entre vários processos. E, obviamente, nessa entrevista, também tentamos aconselhar, guiar e direcionar as pessoas para um determinado caminho, de acordo com as suas aspirações profissionais.
Mas qual é a tendência de mercado, de facto, no que diz respeito ao recrutamento?
Temos a questão da inteligência artificial, com todas as ferramentas que têm vindo a surgir e que nos ajudam a identificar talento. Existe, depois, uma outra tendência futura, que tem a ver com a globalização dos recursos — ou seja, a pessoa poder decidir em que local do globo quer trabalhar. Obviamente que isso ainda tem limitações jurídicas, mas queremos que, com a ajuda da inteligência artificial, possamos colmatar essas lacunas do mercado.
A COVID-19, especialmente com estas gerações mais novas, mudou a forma como essas pessoas procuram trabalho e querem trabalhar — ou seja, o teletrabalho, alguns benefícios mais sociais, etc?
Sim. Do ponto de vista do candidato, ainda existe muita perspetiva de quererem continuar a trabalhar num regime híbrido ou remoto — total, muitas das vezes. Sendo que aquilo que se verifica, muitas vezes, aqui em Portugal, neste momento, é que existe um regresso àquilo que era a chamada normalidade, portanto, um regresso ao escritório. Não talvez nos cinco dias, como era antes, mas entre os três e os quatro dias. Mas, sim, o trabalho remoto é algo que é bastante valorizado pelos candidatos. Obviamente, depois, toda a componente salarial é bastante importante — a liquidez que cada um de nós tem ao final do mês. A Olisipo, para além disso, tem vindo a apostar numa proposta de valor agregada, que permite ter um conjunto de benefícios adicionais, muito preparados para aquilo que são os desafios diários das pessoas. Desenvolvemos algumas parcerias com instituições — uma delas é uma plataforma onde todos os nossos colaboradores têm acesso gratuito a acompanhamento psicológico. Foi algo que também aprendemos com a pandemia, pois houve muitas solicitações por parte dos nossos colaboradores. Também temos outra parceria em que todos os nossos colaboradores conseguem, através de uma app, ter acesso a uma parte do seu salário nesse mês — como solução para uma emergência que tenham naquele momento. E, com isso, não quisemos apenas dar ferramentas, mas também ajudar as pessoas a perceber como é que as podem utilizar, dotando-as de formação em literacia financeira.
E a formação, no geral, também lhes é ministrada.
Sim, através do nosso centro de formação, damos formação tanto técnica como ao nível da gestão, das soft skills e das línguas. Apostamos aqui um bocadinho em tudo.
Particularmente importante — e que se calhar era desvalorizada até há uns anos, e a pandemia destapou — é o acompanhamento psicológico dos trabalhadores. Até que ponto é importante hoje esse acompanhamento?
É muito, muito importante. E nós, infelizmente, durante a pandemia, tivemos vários colaboradores que foram demonstrando essa necessidade — alguns deles tiveram mesmo de rescindir o contrato por não estarem capazes, naquele momento, de desempenhar as suas funções. Portanto, a estabilidade física, emocional e psicológica de todos os nossos colaboradores acaba por ser algo que nós, enquanto empresa, queremos trabalhar, para que no seu dia a dia estejam prontos a desempenhar o seu papel.
E todas as empresas têm essa perspetiva hoje, ou ainda não?
Eu espero — e acho — que parte das empresas já começa a ter essa atenção especial.
A Olisipo foi considerada como Great Place to Work 2024 e como um dos melhores fornecedores de recursos humanos — que aspetos da cultura interna são mais valorizados neste reconhecimento e que impacto têm na vida dos vossos colaboradores?
Em 2024 fomos integrados na lista Great Place to Work Europe, sendo que fomos destacados por esta proximidade com o colaborador, pela personalização de soluções que damos aos nossos clientes, ouvindo e respondendo àquilo que são as próprias necessidades do mercado. Com esta distinção, a nível europeu, os nossos colaboradores apontaram como pontos fortes da empresa a nossa proposta de valor, a justiça, a nossa competência e o sentido de comunidade.
A liderança é fundamental para a construção de uma cultura de crescimento e desenvolvimento humano. Como é que conseguem observar essas lideranças no país?
A liderança acaba por ser o exemplo, não é? O exemplo vem de cima. Ter líderes devidamente preparados no mercado para enfrentar estes desafios é essencial. E, obviamente, com os nossos colaboradores, fazemos muito esse percurso. Temos pessoas que começaram em equipas de operação e que hoje são líderes de uma determinada equipa. Tentamos sempre dar-lhes as ferramentas necessárias ao nível da liderança — comunicação, gestão de tempos, produtividade e tudo mais — para que consigam depois, efetivamente, gerir as suas equipas, os seus projetos, os seus negócios e estarem integrados neste processo.
Vocês estão a pensar, nesta fase, expandir a vossa operação para fora de Portugal?
A Olisipo sempre teve um foco muito nacional. O crescimento que temos tido, bastante sustentável, tem sido sobretudo com base em parcerias nacionais. Já começámos a ter algum contacto com o estrangeiro, mas ainda de forma muito pontual. Queremos ter a certeza de que, quando dermos esse passo para fora, será um passo certeiro. Estamos também a preparar-nos para encontrar uma estratégia que nos permita ser diferentes neste setor do recrutamento, lá fora.
Como é que pode, hoje, um jovem entrar no mercado de trabalho tecnológico e construir uma carreira de impacto e crescimento sustentável?
Através de uma empresa como a Olisipo, por exemplo. Na Olisipo, o candidato tem a possibilidade de ter, num único contrato, a flexibilidade de estar presente em vários tipos de projetos, em diferentes setores de negócio, com tecnologias — algumas mais legacy, outras mais de ponta. Consegue ter um conjunto de soluções personalizadas e, obviamente, toda a componente de formação que nós damos irá, certamente, ajudar a fazer esse percurso.
Aquilo que acha que é essencial para estes jovens no mercado de trabalho é que tenham a oportunidade de ter experiências diferentes e sejam acompanhados com as competências necessárias, para se sentirem apoiados no crescimento que vão ter nesse percurso. É isso?
Exato, sim. E acho que também é uma questão muito geracional. Esta geração, atualmente, quer — lá está — ter experiências, estar simultaneamente envolvida em vários desafios. O facto de conseguirem ter acesso a este tipo de soluções e projetos — uns com curta duração, outros com longa duração — vai, obviamente, dar-lhes uma perspetiva daquilo que querem desenhar para as suas próprias carreiras.
Acha que esta nova geração vai ser transformadora daquilo que é o mercado de trabalho daqui a 5 ou 10 anos?
Sim. E, com isso, já nos deparamos com alguns desafios — creio que em todas as empresas — que é o facto de termos mais do que uma geração dentro da própria empresa. Portanto, pensar de que forma podemos encontrar estratégias para que ambas — ou mais do que uma — consigam trabalhar de forma conjunta tem sido algo fundamental e desafiante nas empresas.