A mama e o gay

Publicado a

Uma conservadora dona de casa com a mama de fora a amamentar o

filho de três anos e Obama apresentado como o primeiro presidente

gay do mundo podem parecer duas manchetes típicas de jornais

duvidosos e sensacionalistas. Mas não são! Pelo contrário, são o

rosto do jornalismo sério e mais prestigiado do mundo e fazem capa

das revistas Time e Newsweek.

Para se conseguir informar, cada vez mais tem de se seduzir,

entreter e sobretudo chocar. Com o crescente número de fontes de

informação disponíveis, já não chega apenas dar a notícia de

maneira pura e dura. Agora, na competição por mais vendas e

audiências, há que conseguir atrair rapidamente a atenção dos

leitores ou dos telespectadores. Para isso, o jornalismo em todo o

mundo rouba cada vez mais técnicas à publicidade. Infelizmente vale

tudo para conquistar "clientes". Notícias sem embrulho já

quase ninguém "compra". Por isso, os jornais, os sites e

as revistas fazem capas polémicas para vender mais e as televisões

montagens agressivas para alindarem o que têm para dizer.

Hoje, dar notícias de modo simples passou a ser considerado...

jornalismo cinzento. Por mais que a maioria diga que gosta de rigor

na informação, quase ninguém vê ou lê se não for atraído

primeiro por um qualquer artefacto. Por exemplo, já são muito

poucos os que querem realmente conhecer as atualizações dos números

de desemprego. Mas se a notícia for "ilustrada" com um

casal de desempregados que conta a sua história de maneira humana -

leia-se dramática -, mais gente vai prestar atenção!

Esta competição pelas audiências e pelas vendas está, no

entanto, a ultrapassar os limites aceitáveis. A fronteira entre o

rigor e o sensacionalismo começa a ser cada vez mais ténue. Com a

ânsia de seduzir ou chocar, começam a ser distorcidas perigosamente

as notícias. Uma simples fotografia ou um simples título podem

transformar a mensagem jornalística numa ilusão, ou mesmo numa

mentira.

A Time fez apenas mais uma reportagem sobre um tema já muitas

vezes abordado: os benefícios de uma amamentação tardia. Mas se

não tivesse optado pela imagem de uma mãe atrativa na capa com a

mama de fora e um filho empinado no banco a mamar, possivelmente

seria um dos números menos vendidos da revista. Com esta fotografia,

pelo contrário, ganhou notoriedade planetária.

Já a Newsweek sabe perfeitamente que Obama não é gay. Mas ao

fazer este título para repetir uma notícia que todos já conhecemos

(o apoio de Obama aos casamentos homossexuais) consegue também dar a

volta ao mundo e vender milhões de cópias.

Com isto se prova que também na informação, mais do que ser,

importa cada vez mais parecer.

Pivô e jornalista da RTP

Escreve ao sábado

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt