“Meia dúzia” que, por sua vez, se usa, no Brasil e em Portugal, tanto no sentido literal – “meia dúzia de ovos”, em que meia dúzia é seis e nada mais - quanto no sentido figurado, quando se pretende reforçar, pelo exagero, uma pequena quantidade de coisas.
Exemplo: “Nas bancadas do estádio do América do Rio estava lá meia dúzia de gatos pingados” – quem for de São Paulo pode trocar por Portuguesa dos Desportos, quem for de Lisboa por Belenenses, clubes, como o América, decadentes mas de grande tradição.
Notada a diferença, eis um desafio: a frase “no Brasil, meia dúzia de milionários tem metade da riqueza do país” deve ser lida em sentido literal ou em sentido figurado?
Pois, é mesmo literal: segundo estudo da Oxfam, organização não governamental multinacional, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, sócios do maior império de cervejas do mundo e de marcas como a Burger King e a Heinz, Joseph Safra, do Banco Safra, Ermírio Pereira de Moraes, do Grupo Votorantim, e Eduardo Saverin, sócio de Mark Zuckerberg no Facebook, têm a mesma riqueza e património dos 100 milhões de brasileiros mais pobres.
Em “A Distância Que Nos Une, Um Retrato das Desigualdades Brasileiras”, nome do relatório da Oxfam, há outros dados que parecem em sentido figurado: como por exemplo “os 5% mais ricos do Brasil têm tanto como os restantes 95%”.
A desigualdade, maior de todas as chagas sociais brasileiras, ganha ainda outros ângulos: se o ritmo de inclusão no mercado de trabalho prosseguir como nos últimos 20 anos, só em 2047 (daqui a 30) as mulheres teriam os mesmos salários dos homens; entre brancos e negros, a equiparação salarial ocorreria em 2086 (daqui a 69); chegar ao nível de igualdade da vizinha Argentina duraria 31 anos e do México, 11, só para falar em países de economias, geografias e histórias semelhantes.
Mas a política de inclusão social, bandeira dos governos do PT ao longo de 13 anos, não serviu para nada? Os responsáveis do estudo apontam melhorias inegáveis na base da pirâmide, com a ascensão de 50 milhões ao consumo, mas atribuem a raiz do problema ao topo: “A tributação brasileira não é das mais altas mas está focada na classe média e nos mais pobres, não nos ricos”, disse Katia Maia. O economista francês que a direita detesta Thomas Piketty disse em entrevista recente que essa ascensão foi feita à custa da classe média e não da tal meia dúzia.
Os ganhos da Era PT, porém, podem estar em causa graças a uma das primeiras – e mais controversas – medida do Governo Temer: limitar os gastos públicos em saúde e educação por 20 anos. “Eis um largo passo atrás”, sentencia a Oxfam, para quem até ao fim do ano mais 3,6 milhões de brasileiros se tornarão pobres.
Noutro ranking, o da desigualdade social da ONU, o Brasil caiu 19 posições. Está agora no top ten invertido com apenas meia dúzia de países – no sentido literal – em pior situação.