A fasquia foi colocada de tal forma elevada que José Vieira da Silva acredita que as próximas cimeiras europeias não poderão escapar à inovação introduzida na semana passada na Alfândega do Porto. "Nada será exatamente igual depois do Porto, porque se criou uma fasquia de compromisso, de participação que tenderá a ser seguida", afirma em entrevista ao Dinheiro Vivo, num balanço do encontro dos chefes de Estado e de governo que acordou as metas para mais emprego, mais formação adulta e menos pobreza na Europa até ao final da década..Para o conselheiro especial do comissário europeu do Trabalho e Direitos Sociais, o resultado da cimeira teve uma dupla inovação: por um lado o "processo", porque houve uma conferência de alto nível e uma reunião informal e por outro comprometeu, pela primeira vez, instituições europeias, parceiros sociais e sociedade civil num documento único que depois foi adotado por unanimidade por todos os Estados-membros. "O futuro será sempre marcado por isto: por se ter aceitado colocar ao mesmo nível os agentes da vida política e económica e as instituições europeias", frisa..Vieira da Silva assume que "chegar a uma posição conjunta dos diferentes agentes que nem sempre têm facilidade em alcançar posições comuns à escala europeia" foi um desafio, mas a "pressão política" acabou por resultar. Pois ninguém queria carregar o ónus de ficar de fora de um acordo social com as metas que foram traçadas..Enquanto o primeiro-ministro destacou o momento "histórico" dos resultados da Cimeira, considerando-a um "marco", o ex-ministro do Trabalho prefere falar de um "passo positivo", mas destaca o facto de ter surgido um compromisso que amarra os Estados-membros a alcançarem estas metas. E quanto às críticas da falta de um calendário para estes objetivos, Vieira da Silva lembra que "ao fim de cinco anos estas metas serão avaliadas"..O plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais da Comissão Europeia (CE) definiu três grandes metas a serem alcançadas até 2030. A primeira pretende que pelo menos 78% da população adulta da União Europeia esteja empregada; a segunda é ter pelo menos 60% dos adultos a participar anualmente em ações de formação e a terceira passa por retirar pelo menos 15 milhões de pessoas da pobreza ou exclusão social, incluindo cinco milhões de crianças..Se a primeira meta será porventura a mais fácil de alcançar, as outras poderão representar maiores desafios, em concreto para Portugal, reconhece Vieira da Silva. No caso do emprego, o ex-ministro do Trabalho admite que o país até está bem colocado. "Não é das metas mais difíceis porque temos algumas vantagens como uma taxa de emprego feminina e uma apetência pelo emprego feminino maior do que noutros países latinos", acredita o conselheiro especial da CE..O mesmo não se pode dizer da meta para as qualificações. "Seguramente é a mais difícil para nós e para grande parte dos países, à exceção dos nórdicos e de alguns países do centro da Europa. É mais desafiante. E é crucial porque sem mais qualificações é difícil termos rendimentos mais elevados e sem eles é difícil gerar uma economia que empregue mais", sugerindo "uma revolução ou uma mudança muito significativa na forma de olhar a relação entre o emprego e a formação"..Já em relação às metas para a redução da pobreza e exclusão social, Vieira da Silva admite que a CE poderia ter ido mais longe, mas encontra duas explicações para este objetivo mais "modesto"..Por um lado, o ponto de partida não é conhecido, uma vez que os dados são de 2019 e muito mudou com a pandemia. "Quando estamos a comparar esses 15 milhões, estamos a usar dados de 2019. Mas em 2021 serão provavelmente mais", assinala. A esta questão, junta-se ainda a forma como é medida a taxa de pobreza (percentagem de pessoas com um rendimento inferior a 60% do rendimento mediano) que torna o indicador "móvel", ou seja, que se vai alterando à medida que o rendimento da população aumenta ou diminui. "Se o indicador do emprego correr bem, se o indicador da qualificação correr melhor, a taxa de pobreza é bem mais exigente porque vai comparar-se com limiares muito mais altos", sublinha..É um dos temas que mais divisões geram entre os Estados-membros: a criação de um salário mínimo em todos os países da UE. Não se trata de definir um valor, mas sim o princípio de um salário "justo" que permita condições mínimas de bem-estar..Questionado no final da reunião informal no Porto, o primeiro-ministro admitiu a existência de "obstáculos", mas apontou o trabalho "discreto" que estava a ser feito pela presidência portuguesa. A verdade é que poucos minutos antes o presidente francês, Emmanuel Macron, numa outra sala do Palácio de Cristal, empurrou para a presidência francesa da UE, em 2022, o momento para desbloquear a diretiva europeia. E o mesmo com a proteção dos trabalhadores das plataformas digitais (Uber ou Glovo, por exemplo)..Vieira da Silva compreende esta ambição do chefe de Estado gaulês. "Não me espanta que Macron tenha a ambição de fechar esse dossier em 2022", sublinha, lembrando que há eleições para o Eliseu nesse mesmo ano e porque é um tema que acabou por gerar consensos. "Hoje o salário mínimo é visto como um fator positivo e não o contrário. O que permanece como fator de divisão é a forma como lá chegar", assinala. "Estamos a discutir como se deve criar um sistema para elevar os salários, quando há uns anos muita gente defendia que o salário mínimo destruía emprego" e dá o exemplo de Portugal.."Não será fácil", responde quando questionado se ainda se pode esperar um acordo até ao final de junho, quando termina a presidência portuguesa, lembrando que o Pilar Social "tem uma referência explícita ao salário mínimo europeu" e que todos os países devem ter um, reconhecendo que é "difícil obter consenso porque os modelos de fixação de salários são diversos."