Há uma palavra e duas frases que sempre prometi não escrever. Mas aqui vão elas, não resisto mais, não consigo. A palavra é: desaguisado. As frases são: "mosquitos por cordas" e "a montanha pariu um rato". Não encontro outra maneira para descrever o que está a acontecer entre a Comissão Europeia e o governo de Angela Merkel. Estamos perante um desaguisado evidente que está a provocar mosquitos por cordas (tensão) e que acabará por dar em nada (parir um rato).
Não sei a origem destas frases e da magnífica palavra, embora se guglar aposto que descubro num segundo. O que sei é que é quando estamos a 50 mil pessoas de chegar ao milhão de desempregados oficiais, quando as falências de amontoam e o Estado vacila - mas não cede; ou seja, enquanto nada de essencial mudou no setor público, apenas se instalou o medo e a desorientação como método acéfalo de gestão, enquanto pelo caminho se rebentou com o setor privado (a chamada lobotomia Gaspar), enquanto decorria esta corrida para o fundo... a doce Angela Merkel e o inigualável Durão Barroso exibem a falta de solidez que, confesso, não me espanta mas desilude e desespera.
Quer dizer, depois der termos engolido colheradas sem fim de óleo de fígado de bacalhau, de termos sido acusados de todo o género de patifaria e desperdício (parte verdade, parte mentira), agora que estamos radicalmente de joelhos, sem espaço para negociar nada, com a dívida pública nas nuvens, agora que falta um ano para o fim do famoso resgate... os nossos pretensos salvadores zangam-se e reconhecem: este modelo realmente não funciona e está pejado de erros. Como?!
Certo, penso eu. Mas devem ser erros extraordinários, coisas difíceis de antecipar, coisas que até ao génio Gaspar passaram despercebidas.
Não, não, nada disso. Os três pontos, os três erros no programa de assistência apontados pela Alemanha à Comissão Barroso são tão evidentes e simples que até envergonha. São coisas de analfabeto. Ei-los no seu esplendor:
1) "Os dois países [Portugal e a Grécia] não podem desvalorizar a moeda por estarem numa união monetária." Ena pá! É mesmo? Aqui está um detalhe absolutamente novo;
2) "Os programas não integram a recessão económica do resto da zona euro que os impede de sair da crise pela via das exportações." A sério? Outro aspeto a que ninguém tinha prestado a tenção. Andamos mesmo a dormir.
3) "O programa ignora a quebra de investimento resultante da situação catastrófica de muitos bancos." Por tutatis: realmente nem um só economista luso, comentador e chófer de praça tinha chamado a atenção para esta pescadinha de rabo na boca. Que bimbos que somos.
É isto, portanto. Dois anos de loucura, disparate, falta de pontaria e Wolfgang Schauble acaba de fazer em tirinhas a missa e a cábula de Gaspar. O nosso ministro das Finanças pode assobiar para o lado, fazer o pino, mas na verdade a mim só me apetece pedir-lhe uma indemnização pantagruélica por perdas e danos e pela arrogância intelectual com que aterrou e, aposto, certamente um dia se irá embora. Gaspar, tão brilhante, paradoxalmente não aprende com os erros, nem com os dele nem com os dos outros (aliás, para ele o inferno são os outros -- nós, portanto)
Concluo: a insustentabilidade das contas públicas, a mama dos empresários encostados às rendas públicas, os empregados encostados à própria preguiça e ignorância, além de um banho de crédito barato deram cabo de nós. O problema não estava no diagnóstico, que Manuela Ferreira Leite se encarregara de sublinhar muito tempo antes. A dificuldade era acertar na receita com o menor custo possível, embora a fatura fosse sempre tornar-se pesada. Mas não foi apenas pesada: foi destruidora, arrasadora, foi uma bomba. E agora a Alemanha lava as mãos disto tudo.
A montanha pariu um rato.