Em dezembro do ano passado, Portugal foi o sexto país da UE onde mais caíram as vendas de retalho. Ao longo de 2023, pareceu ter algum progresso. Em maio cresceu 3%, enquanto a zona euro decaiu 2,9%. Em julho, porém, já ambos voltávamos a cair. Essa tem sido a tendência, e assim permanecerá, a não ser que o Pai Natal desça as taxas de juro e passe a batata quente ao Coelhinho da Páscoa.
Imagine-se, portanto, um empresário português que ouse exportar o seu produto lá fora. Quando digo lá fora, digo fora da própria UE. Que opções terá? Por mil e uma razões que já aqui expus, a China é para esquecer. Só mesmo se ele quiser passar uma década a perder fortunas até se adaptar, e o resto da sua vida a lamber botas a algum padrinho do PCC. Quanto à América Latina, não está esquecida. Para mim, aliás, nunca está. Sempre me parece uma opção interessante. Mas, dela falaremos noutra ocasião.
Comecemos, então, por onde tudo realmente começa. Pelos EUA, o (ainda) grande motor da economia global, o (ainda) maior mercado de retalho e o que (ainda) tem a moeda mais forte e reconhecida internacionalmente. Mas, como o fazer?
Não existem receitas mágicas e cada um saberá de si. Todavia, vou partilhar convosco os passos que daria. Proponho-me a fazê-lo apenas pensando em termos geográficos, sem considerar em detalhe as especificidades do produto, excetuando o facto de ser latino e da área de alimentação e bebidas. Convém igualmente que seja fictício, para não ferir suscetibilidades. Voltemos, assim, à magnífica coca-cola de Alvor - uma soda artesanal, biológica, vegana, e vitaminada com as famosas laranjas algarvias. Chamemos-lhe "a nossa coca-cola", por mero exercício. E imaginemos que eu a tinha adquirido e pretendia agora implementá-la e vendê-la nas terras do Tio Sam.
A primeira coisa que faria, provavelmente, era começar por uma das costas. Ou Este ou Oeste. Há que escolher, pois não temos capacidades ilimitadas. Não dá para ir logo à Benfica. Deste modo, faria antes de mais um balanço e só então decidiria. A Costa Oeste tem menos pujança comercial, mas também tem menos concorrência (se é que tais coisas possamos afirmar sobre qualquer zona dos EUA). Já a Costa Este, apesar da concorrência ser extremamente puxada, tem a vantagem de ter uma forte ligação à Europa, nomeadamente a Portugal. As cidades com maior percentagem de cidadãos luso-americanos situam-se nos Estados de Massachusetts e Rhode Island. Mas, o maior potencial da Costa Este é mesmo Nova Iorque. Afinal, ainda hoje continua a ser uma verdade insofismável o verso da canção, "if you make it there, you make it everywhere".
Supondo que optávamos pelo Este, Nova-Iorque seria, portanto, o foco. Não faltaria concorrência, só que tão-pouco nos faltariam meios para "a nossa coca-cola" competir com as demais sodas que chegam à mesa ou à casa dos milhões de clientes locais. O mercado Nova-iorquino é tão grande e diverso que sempre abre espaço a novos produtos, sem que estes sejam imediatamente esmagados pelos que já pertencem aos gigantes internacionais.
Os consumidores estão abertos à novidade e as novidades estão sempre a aparecer. Depende de nós oferecer-lhes uma novidade melhor. E caso não consigamos impor-nos em termos genéricos, talvez possamos obter bons resultados em nichos de mercado, que lá têm um potencial equivalente ou maior que o mercado massivo de outras cidades, ou até países. Além disso, Nova-Iorque é um bom teste para o empresário português perceber, logo à partida, o êxito que pode alcançar ou o fracasso que pode evitar.
A partir de Nova Iorque, podemos fazer uma extensão acima, em Boston. Há 10 anos, residiam no Estado de Massachusetts 313 mil lusodescendentes, e esse facto não pode ser ignorado nem desprezado. Contudo, também não pode ser sobrevalorizado, nem muito menos isolado. Um produto de origem latina, ou que tenha atrativos de cariz latino na sua identidade, não deve isolar-se dos demais. Pelo contrário, deve aproveitar-se do mercado latino-americano no seu conjunto. Não vale a pena cingir-se ao "mercado da saudade" - que já tem os seus próprios negócios e produtos, os quais rentabilizam dinâmicas socioculturais específicas e limitadas (o que não tem mal nenhum, desde que estejamos cientes das mesmas).
O passo seguinte seria percorrer a dita Costa. A ideia de começar por uma costa e percorrê-la é, aliás, bastante fácil de entender. Pois, em qualquer país, essa é, geralmente, a zona onde o comércio mais tende a instalar-se e a desenvolver-se. Porém, convém novamente recordar que não temos recursos ilimitados. Delinear uma estratégia geográfica, ou qualquer outra, implica delinear prioridades. E as nossas prioridades são os mercados mais relevantes: No Estado da Pensilvânia, Filadélfia. Na Georgia, Atlanta (mesmo que desvie um pouco da zona costeira). Na Flórida, Miami, evidentemente.
Chegados a Miami, entretanto, deparamo-nos com o ambiente ideal para exponenciar o potencial da "nossa coca-cola", enquanto produto de identidade latina. Quanto às especificidades dessa identidade e ao modo como a mesma se comunica, deixaremos para outro artigo. Aqui interessa-nos o facto de esta cidade multicultural nos permitir tirar vantagem, não apenas de uma só comunidade ou cultura (portuguesa ou brasileira), mas das comunidades e culturas latinas no seu todo. A marca SOMOS foods é um bom exemplo de alguém que entende o valor desta confluência. Trata-se de uma empresa que vende ingredientes de comida mexicana acompanhados de receitas tradicionais, para uma confeição rápida e prática. Repare-se que o nome é percetível tanto em espanhol como em português. Pois, no fundo, já não é uma coisa nem outra. Tornou-se simplesmente americana.
A partir da confluência das comunidades e culturas latinas, todo o mercado americano se contagia. E é esse o contágio que nos interessa. Assim, integrar o nosso produto neste contágio (que já existe, não fomos nós que o inventámos), é o que nos permitirá ter um produto verdadeiramente americano e para americanos. Esta é a ideia central que já trazemos desde o início do nosso mapa, sendo Nova Iorque a cidade mais cosmopolita, e que podemos exponenciar no fim do nosso percurso costeiro, Miami. Então, sim, com um produto já devidamente americanizado, podemos pensar no Texas ou em qualquer outra grande cidade que nos impulsione e leve ao resto do país.
Pensar apenas em termos geográficos é, sem dúvida, um desafio. Mas, a "nossa coca-cola" tem de começar por algum lado, e como não gosto de pensar no vazio, decidi começar por onde ela andaria, antes mesmo de saber quem ela é.
Economista e Investidor