Após o terceiro corte consecutivo nas taxas de juro, o BCE parece ter entrado numa nova fase na sua política monetária. Agora, a questão deixou de ser se o BCE vai continuar a reduzir as taxas de juro, passando a ser até onde pode ir.
Embora a decisão de cortar as taxas parecesse inevitável nos dias que antecederam a última reunião, este cenário não era tão claro há pouco mais de um mês. A perceção da realidade económica tem mudado significativamente nestes últimos meses. Para se ter uma ideia da magnitude da mudança, em julho, o mercado previa que as taxas de juro de referência atingissem um mínimo de 2,47%, apenas no final de 2027. Três meses depois, esse mínimo desceu para 2,12% e foi antecipado para meados de 2026 – um ano e meio mais cedo.
O que explica esta rápida alteração? Por um lado, a inflação nos Estados Unidos começou finalmente a mostrar sinais claros de desaceleração. Como resultado, o banco central americano iniciou uma descida nas taxas de juro, abrindo espaço para o BCE continuar a sua trajetória. Por outro lado, os dados mais recentes da economia europeia apontam para uma tempestade que pressiona o BCE a avançar com esta nova fase de cortes. A Alemanha parece estar a caminho de uma recessão e tanto França como Itália estão a ser obrigadas a implementar planos de austeridade para corrigir as suas contas públicas. Estas três economias – as maiores da Europa – deverão enfrentar um 2025 particularmente difícil. E não nos podemos esquecer que uma grande parte do crescimento económico europeu tem sido impulsionado pelo PRR. Sem este estímulo, é provável que a zona euro já estivesse em recessão. Em cima disto, o PRR vai terminar em 2026 e, a partir de 2028, a Europa terá de começar a pagar os empréstimos que financiaram este programa.
O que nos espera quando este impulso desaparecer? A perceção atual de chegarmos a 2026 com taxas de juro a rondar os 2% (um nível próximo da meta de inflação) sugere um regresso às taxas de juro reais nulas. Ou seja, o mercado acredita que o investimento das empresas europeias só será viável com financiamento extremamente barato. Se as reformas estruturais associadas ao PRR não tiverem o impacto esperado, a possibilidade de voltarmos a taxas de juro negativas, como antes da pandemia, poderá novamente entrar em cena.
Quer isto dizer que Lagarde vai ser mais agressiva com os cortes nos próximos meses? Infelizmente não. Na última reunião, a governadora mencionou que o BCE “ainda não partiu o pescoço da inflação, mas estamos quase”. Embora a inflação tenha abrandado, nem tudo está controlado. O crescimento dos preços dos serviços, impulsionado por salários em alta, continua forte. E, em cima disto, persistem ameaças geopolíticas significativas. Um agravamento do conflito no Médio Oriente, com o consequente aumento do preço do petróleo ou
o bloqueio de rotas comerciais capaz de estrangular a cadeia de abastecimento, pode provocar novos aumentos da inflação. A reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, com as suas políticas protecionistas, também poderia reacender as tensões económicas globais, forçando o BCE a rever a sua estratégia de cortes nas taxas.
Nesta nova fase, o espaço para erro será cada vez menor. Basta um movimento em falso para que, em vez de se partir o pescoço da inflação, se parta o pescoço da economia europeia. E com o fantasma da estagflação no horizonte, o populismo poderá encontrar mais um terreno fértil para continuar a crescer.
Docente da Porto Business School e especialista em Economia