A digitalização é inevitável e, no entanto, a burocracia e os velhos hábitos continuam a resistir a essa transformação. Um claro exemplo disso é o que acontece na contabilidade das empresas. O Decreto-Lei n.º 28/2019 surgiu precisamente para modernizar e simplificar a gestão contabilística, permitindo o arquivo totalmente eletrónico de documentos e dispensando a necessidade de manter faturas físicas (desde que garantida a integridade e legibilidade), o que viabiliza, em teoria, a transição definitiva do papel para o digital. Não obstante, seis anos depois, o cenário ainda está longe daquilo que se idealizou: as empresas continuam a exigir recibos físicos, folhas de Excel preenchem-se manualmente, gastando tempo de colaboradores e equipa financeira, e os processos administrativos mantêm-se obsoletos. Uma pergunta impõe-se: porquê? Não se trata de falta de tecnologia. O referido decreto-lei estabeleceu a implementação de um QR code em todas as faturas e documentos fiscalmente relevantes para facilitar o registo automático das transações e reduzir o volume de papel. Por outro lado, hoje em dia, o reconhecimento ótico de caracteres (OCR) aliado à inteligência artificial (IA) consegue, em segundos, extrair informações dos recibos que um ser humano demoraria vários minutos a compilar - além de permitir ainda detetar incoerências e prevenir ineficiências e custos associados a erros humanos. Contudo, na prática, muitas empresas ainda obrigam a recolha de comprovativos, assim como o preenchimento manual de relatórios de despesas. O desafio, então, é cultural e processual. As empresas hesitam em largar os métodos tradicionais por diversos motivos. Primeiramente, por inércia organizacional e aversão à mudança: mudar um sistema que “sempre foi feito assim” pode exigir esforço, formação e uma revisão dos processos internos - ou não e é só mesmo uma questão de disponibilidade mental para abraçar novos hábitos. Em segundo lugar, por um certo receio legal e fiscal: apesar de a legislação regulamentar a digitalização contabilística, muitas empresas temem, sem necessidade, auditorias e complicações daí advenientes. E, por fim, existe o tema do controlo: alguns gestores continuam a associar a existência física de um documento a segurança e fiabilidade, ignorando que os sistemas digitais oferecem proteção reforçada e total rastreabilidade. Mas o futuro digital não pode continuar refém do papel. Para as empresas, a insistência em processos burocráticos desatualizados resulta em tempo perdido e custos desnecessários. A gestão de despesas torna-se mais morosa, exigindo equipas dedicadas a validar documentos físicos e inserir manualmente dados que poderiam ser automaticamente processados. Isto aumenta o risco de erros e fraudes, comprometendo a eficiência operacional. Para os trabalhadores, esta situação traduz-se em frustração e incerteza financeira. A obrigação de reunir recibos e preencher relatórios manualmente, a par da demora nos reembolsos não só afetam a produtividade, como também podem destabilizar as finanças pessoais de quem adiantou dinheiro para pagar despesas profissionais e tem que esperar semanas para o ter de volta. A solução passa por uma mudança de mentalidade. As empresas devem confiar mais na tecnologia e ajustar os seus processos para tirar partido das ferramentas que já existem. Adotar plataformas de gestão de despesas eficientes com digitalização automatizada de faturas, transferências imediatas e em total conformidade com a legislação portuguesa (para gestão integrada de mapas de quilómetros e ajudas de custo) não é apenas uma questão de comodidade, é antes uma necessidade estratégica para melhorar a visibilidade sobre os gastos e reforçar o controlo financeiro, garantindo fluxos otimizados, eficazes e transparentes. A desmaterialização da burocracia vai além de uma intenção legislativa e está ao alcance de todos. *Nuno Pereira é cofundador e CEO da Paynest