O álcool. Tudo começou com os convívios. E era simpática a novidade de os sabermos em casa de uns e de outros, longe das ruas a altas horas da madrugada, das discotecas e dos bares. Vais onde? A casa do não sei quantos. E nós a imaginá-los a jogarem Risco enquanto comiam panquecas. Mães... Era o único consolo de uma pandemia que nos escassos períodos em que nos concedeu liberdade deixou os nossos inocentes meninos reunirem-se nos chamados convívios. Em jogatanas, como diria a minha avó. Foi bom, diria: não gastaram dinheiro, eu não perdi sono a ir levá-los não sei onde e a ir buscá-los a meio da noite, nem anos de vida em discussões desgastantes a dizer que não, não tens idade para ir, para chegar tarde, para fumar ou para beber. Graça Freitas fez isso por mim, o Parlamento aprovou e a comunidade científica validou.
Tenho filhos que viveram dos 14 aos 16, dos 16 aos 18 anos, dos 18 aos 20 assim, fechados. Despertaram e conheceram a noite em ambientes supostamente resguardados, trancados, sempre com os mesmos grupos e sempre em grupos privados. Uns só conheceram a banalidade dos bares, discotecas, imprevistos, combinações de boleias com os únicos resistentes e sóbrios da noite aos 18 anos. Outros, nunca viveram a fase de baterem com o pé porque "vão todos menos eu", entre tantas outras fases parvas. Basicamente, passou-lhes a noite ao lado.
Dois anos e dois verões passaram e o registo destas noites é o seguinte: a noite deles foi entre máscaras e garrafões de catembo (mistura de álcool com refrigerantes), a fugirem da polícia de botellon em botellon ou em grupos mais pequenos de casa em casa. Sei eira nem beira.
Este foi o primeiro verão de normalidade. Um verão estranho porque há hábitos que não desaparecem de um dia para o outro. E o hábito que os confinamentos e os encerramentos cegos que se seguiram uns aos outros provocaram foi o consumo desenfreado de álcool.
Sabem quando eles estavam em casa dos amigos? Não, não estavam a jogar Risco nem a comer panquecas. Talvez na primeira semana, vá. Depois, vinho misturado com Fanta, mais um cheirinho de vodka e gelo, quem é que conquista a Europa, a Oceânia e mais um continente à escolha ao fim de três copos disto? Só o Churchill.
Litrosas, vinho e essa nova invenção pandémica chamada catembo, tudo isto a partir dos 13 anos. Foi o outro flagelo deixado pela covid. Se antes da pandemia era preciso dinheiro e idade para ter acesso facilitado ao álcool - nem que fosse pela dinâmica social e comunitária -, hoje nada disso é um entrave. Uma garrafa de vinho comprada no supermercado, uma litrosa em qualquer loja de conveniência que um miúdo mais velho faça o favor de comprar aos mais novos, e a noite está feita. E é tudo uma questão de muito poucos euros.
As estatísticas não estão publicadas, mas não é preciso ser especialista para perceber que o consumo de álcool nos mais novos é alarmante. Basta ser pai. Sempre foi possível beber assim, podem dizer, e já havia quem o fizesse. Sim, mas a generalização, os novos hábitos de consumo e a nova faixa etária que o álcool conquistou é a grande novidade. E a nova pandemia.
Jurista