“A partir de hoje, 14 de novembro, é como se as mulheres deixassem de receber salário”

Na data em que Portugal assinala o Dia Nacional para a Igualdade Salarial e na véspera do Dia Europeu para a Igualdade Salarial, Carla Tavares, presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, põe a nu o fosso de rendimentos entre homens e mulheres e o seu impacto na economia.
Carla Tavares, president da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. Foto: Reinaldo Rodrigues
Carla Tavares, president da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. Foto: Reinaldo Rodrigues
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“A partir de hoje, dia 14 de novembro, é como se as mulheres deixassem de receber o salário”, afirma Carla Tavares. Num país caracterizado pela forte presença das mulheres no mercado de trabalho, 74% em contraste com os 69% da média europeia, a diferença de rendimentos entre homens e mulheres, em Portugal, é de 13,2%. No entanto, se for considerado o salário ganho (que inclui prémios, subsídios e trabalho extraordinário) este fosso aumenta para os 16%. Os números, revelados no último Barómetro das Diferenças Remuneratórias entre Mulheres e Homens e que têm em conta os rendimentos de 2022, revelam um acentuar das diferenças, pela primeira vez em nove anos, e deixam transparecer outras desigualdades, nomeadamente as relacionadas com a parentalidade e a partilha das tarefas domésticas, lembra a presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.  

A antiguidade, as qualificações e o nível de habilitações são fatores que aprofundam este fosso. De acordo com o barómetro, entre os trabalhadores com 20 ou mais anos no posto de trabalho, as diferenças de rendimento chegam aos 18,9% (caindo para os 11,4% entre aqueles que estão no posto de trabalho há menos de um ano). O mesmo acontece quando são consideradas as habilitações e qualificações. “As diferenças são tão maiores quanto maior for a qualificação ou a habilitação. Por exemplo, se fizermos uma pesquisa pela qualificação, a maior incidência é nos quadros médios e nos quadros superiores. E se fizermos o filtro usando as habilitações académicas, verificamos que o índice de diferença também é maior em pessoas com o ensino superior, de 26,1% considerando o salário ganho aos 26,1% e de 25,8% se considerarmos o salário base”, explica Carla Tavares. 

Neste caso, a menor diferença entre o salário base e o salário ganho está relacionada com a menor disponibilidade das mulheres com qualificações mais baixas para realizar trabalho suplementar. “As tarefas domésticas e de cuidado familiar não são repartidas de igual forma: as mulheres cumprem o horário de trabalho mas depois saem porque têm de ir buscar os filhos, têm de tratar da casa. E se formos ver, na maioria das empresas, o trabalho suplementar é desempenhado sobretudo por homens”, alerta a presidente da CITE. 

Além de assumirem mais responsabilidades em casa, as mulheres são penalizadas a partir do momento em que são mães. Um estudo realizado em vários países europeus pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto em conjunto com o Centro de Investigação em Pandemias e Sociedade (PANSOC), da Noruega, no âmbito do projeto Merit, concluiu que na Europa (incluindo Portugal), as mulheres perdem cerca de 29% dos rendimentos a partir do momento em que são mães. 

Impacto na economia 

Uma maior igualdade de rendimentos traria benefícios não só à vida de cada mulher mas também em termos sociais e económicos. Em 2020, a Comissão Europeia apontava para um acréscimo de 0,1% do PIB dos países por cada ponto percentual de redução da desigualdade salarial entre homens e mulheres. Algo que se confirmou na prática em Portugal, como ficou demonstrado no estudo económico de caso, coordenado por Sara Falcão Casaca. De acordo com o estudo, o PIB per capita português cresceu 1,4% por cada ponto percentual de diminuição na diferença de rendimentos. E, feitos os cálculos para um cenário de igualdade em que “a proporção de mulheres em regime de trabalho a tempo parcial diminui de forma a igualar a dos homens neste mesmo regime, e a taxa de atividade das mulheres aumenta 18  de forma a igualar a dos homens”, esse crescimento chegaria aos 4,0% do PIB per capita. 

“Havendo desigualdade, e tendo em conta os números de 2022, se as mulheres receberam, em média, menos 160 euros (se considerarmos o salarial base, valor que sobe para 235,10 euros considerando o salário pago), isto é dinheiro que deixa de entrar na economia, que deixa de circular”, diz Carla Tavares. Além do mais, continua, vários estudos demonstraram que o “dinheiro gasto pelas mulheres tem um efeito multiplicador muito superior ao dos homens”, já que quando são as elas a gerir o dinheiro, o aplicam maioritariamente na educação dos filhos, na saúde e na melhoria das condições de vida. “Se começarmos a interiorizar o que é que o país perde por não haver mais igualdade salarial talvez seja um bom incentivo para que possamos acelerar este percurso de igualdade”, assume a presidente da CITE.  

ACT aperta empresas 

Apesar do aprofundar do fosso salarial entre mulheres e homens registado em Portugal no ano de 2022, Carla Tavares não está pessimista face ao futuro. Devido à aplicação da chamada “Lei 60” (a lei 60/2018, de 21 de agosto, criada para promover igualdade remuneratória entre homens e mulheres), as empresas estão a ser forçadas a mudar a sua atuação. “Estou expectante em relação aos dados relativos a 2023. Em 2023, a ACT notificou todas as empresas que apresentaram gender pay gap no indicador ajustado superior a 5%”, explica a presidente da CITE. No total, foram notificadas entre 1300 e 1500 empresas que têm agora de apresentar (e executar) um plano de avaliação dessas diferenças. “Esse plano foi executado durante 12 meses, que terminaram em julho e agosto deste ano. Eu estou expectante que, por força deste processo, o ano de 2023 possa ter resultados mais positivos”, antecipa a responsável. “Estou em crer que sim porque as empresas tiveram de demonstrar à ACT que corrigiram as diferenças que não são justificadas”, diz  Carla Tavares, para quem os resultados apurados permitirão antecipar o que poderá acontecer a nível europeu, num momento em que está a ser feita a transposição da directiva relativa à transparência remuneratória. 

Em termos comparativos, Portugal está abaixo da média europeia no que toca à diferença de rendimento entre homens e mulheres. No entanto, a situação ainda está longe da vivida pelo Luxemburg, que apresenta um gender pay gap negativo de 0,7%, em favor das mulheres. Se continuasse ao ritmo registado nos últimos anos, Portugal levaria 27 anos a alcançar a igualdade salarial. “Mas obviamente que não podemos esperar 27 anos para que isto aconteça. Não podemos permitir retrocessos como o que tivemos este ano e temos de fazer com que possamos acelerar e, de ano para ano e não diminuir apenas em décimas como tem vindo a acontecer”, alerta a responsável da CITE. Essencial é, diz, atacar a origem das desigualdades: a segregação profissional que leva a que as mulheres estejam mais concentradas em áreas como o cuidado, trabalho administrativo – tradicionalmente com ordenados mais baixos, a que se junta uma menor presença das mulheres nos lugares de topo. Tem de haver uma sensibilização por parte das empresas para estabelecer um equilíbrio no que são os seus órgãos de direção e, acima de tudo, um maior equilíbrio na repartição das tarefas domésticas e de cuidado familiar.  

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