A recessão que não foi notícia

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O Governo está demissionário por fortes indícios de corrupção. Mas reparou que a economia entrou em queda ainda antes desta confusão? Os dados do INE indicam que a economia caiu no terceiro trimestre deste ano (-0,2%) e que o desemprego está a subir (três décimas em setembro). O cenário macroeconómico do Orçamento do Estado para 2024 já estava sob pressão ainda antes da sua aprovação e ainda antes da demissão do primeiro-ministro. A realidade política ultrapassou a realidade económica, mas há números, actos e omissões que não podem ser esquecidos. Sobretudo porque o período eleitoral irá branquear a conjuntura económica e esconder a falta de orientação estratégica de quem nos governa.

Estes dados recessivos apanharam o Ministério da Economia de surpresa. Mesmo antes de toda esta confusão, o ministro da Economia, António Costa Silva, achava que o tecido económico português era robusto. Em entrevista à Antena 1, a 16 de outubro, dias antes do INE divulgar estes números, o governante afirmava, com optimismo, que o crescimento económico para 2024 poderia ser superior a 1,5%, já que estava assente nas exportações - ora, os dados do organismo oficial de estatística dizem-nos que foi precisamente o motor externo que falhou. A queda do PIB foi "em resultado da desaceleração significativa das exportações de bens e serviços em volume, tendo a componente de bens registado uma redução expressiva."

Se os números foram surpresa, a reação foi a pior. Perante estes factos, o ministro das Finanças, Fernando Medina, afirmou que é preciso "reforçar a procura interna". Medina demonstra um profundo desconhecimento das debilidades do país.

Portugal tem estruturalmente um problema de dimensão. Para pagar bons salários e sustentar o Estado Social é preciso vender (e competir) num mercado maior que o nosso, com maior poder de compra permitindo margens ou volumes maiores. Fala-se muitas vezes que as empresas portuguesas são pequenas e que a geração mais bem preparada de sempre não empreende, sem nunca discutir (a par de outros detalhes) que o retorno é naturalmente baixo num mercado pequeno. De uma forma simples: não queremos uma economia de baixos salários, mas apostamos num pequeno país. Não dá!

Além disso, com um Estado tão pesado e tão presente, há uma enorme concentração de risco - se o Estado falha, por um mais um soluço político, a economia cai toda a seguir. A procura interna prende a economia aos ciclos político-eleitorais. Não há diversificação ou estabilizador automático. Nos próximos meses vamos amargar as consequências desse erro.

Para complicar, a procura interna desalinha incentivos de gestão. Num país que não cresce e que não está virado para fora, o crescimento das empresas é mais difícil e, por vezes, mais permeável a relações pessoais. Além disso, reforçar a procura interna é manter uma política de dependência face ao Estado, é a promoção de uma luta por um lugar à mesa do Orçamento do Estado, que já representa metade de tudo o que se produz. A procura interna torna as empresas viradas para o negócio e não para o mercado. Criam-se cumplicidades e financiam-se más práticas de gestão. Claro que cada caso de corrupção e compadrio é da responsabilidade de quem os pratica, mas, enquanto país, escusamos de nos pôr a jeito.

Porém, por estranho que possa parecer, tudo isto é uma boa notícia. O facto de ninguém ter reparado na descoordenação do governo, na intenção de promover a procura interna, tudo isto são boas notícias. Porquê? Porque há pior. Com honrosas exceções reformistas, de uma ou dois deputados, o país está preso em casos de controlo da atividade governativa. Depois de meses a discutir a TAP, a discutir os assessores do ministro Galamba, as suas bicicletas e os seus telemóveis, depois de avaliarmos a existência de reuniões informais que não deviam ter acontecido, vamos passar outros tantos meses a discutir a intervenção do Estado na Efacec e o data center em Sines.

Evidentemente que sou altamente favorável a Comissões de Inquérito e a um forte escrutínio: mesmo quando as conclusões são medíocres, este tipo de audições e reportagens permite-nos perceber o enorme despudor com que se gasta dinheiro público. Mas, o que queria discutir era mesmo o futuro e estamos sempre a discutir o básico: que o dinheiro custa a ganhar e que tem de haver limites ao abuso.

Pensando bem, se calhar a recessão não foi notícia, como a subida do desemprego também não é polémica, porque estamos todos conformados com o país que temos.

(Nota: o autor escreve segundo o Antigo Acordo Ortográfico)

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