Face à crise habitacional que se viu surgir no mercado imobiliário nacional, o Governo tem vindo a agilizar diversas discussões com vista a identificar possíveis medidas de incentivo à acessibilidade à habitação e à renovação de imóveis habitacionais. Neste sentido, no passado dia 6 de outubro foi publicada a Lei n.º 56/2023 - a Lei Mais Habitação - que compreende um conjunto de medidas que alteram o atual panorama fiscal.
Em concreto, ao foco das alterações que aquele pacote legislativo trouxe, não escapou a norma que previa a aplicação de uma taxa reduzida - de 6 % - de IVA às empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana ("ARU"), por via da alteração da Verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.
A anterior redação da referida Verba não distinguia entre as empreitadas de reabilitação urbana que tivessem como objeto obras desenroladas com o intuito de melhorar ou tornar apto um edificado e as empreitadas que tivessem em vista uma edificação de raiz.
No entanto, com a alteração normativa conferida à Verba 2.23 limitou-se a aplicação da taxa reduzida de IVA - ao invés da taxa normal de 23 % - às empreitadas que visem a reabilitação de edificados já existentes, mantendo fora do horizonte a aplicação deste benefício a construções novas, mesmo que territorialmente enquadradas numa ARU. Assim, fica de fora do âmbito de aplicação da taxa reduzida a edificação de novos imóveis destinados à habitação, em desalinhamento com o propósito antevisto para a Lei Mais Habitação.
A proximidade da aprovação da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2024 ("LOE24") gerou a expectativa de que este tema merecesse resolução no texto da lei orçamental, com a aplicação daquele benefício às empreitadas de reabilitação que tivessem como objeto a edificação de construções destinadas à habitação. Seguiu-se, contudo, a constatação da inexistência, no texto da LOE24, de qualquer previsão nesta matéria.
Ora, o Código do IVA - a par de diversas opções políticas e legislativas dispersas pelos diversos compêndios normativo-fiscais - prevê a aplicação de taxas reduzidas e intermédias a determinadas vendas de bens ou prestações de serviços que se afigurem como essenciais ou cujo consumo se pretenda desonerar. Neste ímpeto, em face da crescente necessidade de reabilitar e revitalizar diversas malhas das cidades, veio prever-se a aplicação da taxa reduzida às empreitadas de reabilitação urbana.
No entanto, com esta alteração legislativa, cuja (devida) reapreciação não foi levada a cabo pela LOE24, pode resultar fragilizado o intuito conferido ao pacote legislativo, deixando de parte a esperada aplicação daquele benefício à construção "nova" de edifícios destinados à habitação.
Mais: os adquirentes de serviços de construção civil que equacionem desenvolver projetos imobiliários de construção de raiz de imóveis destinados a habitação, terão que antecipar que a aplicação da taxa normal de 23 % a estas operações surgirá na sua esfera como um custo, dado que o IVA incorrido nos inputs correspondentes não poderá ser posteriormente deduzido.
Senior Manager de Tax da KPMG Portugal
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