No passado dia 1 de abril, às zero horas, centenas de pessoas juntaram-se na Porta de Brademburgo, em Berlim, com um objetivo comum: festejar a entrada em vigor da nova lei sobre a posse e consumo de canábis. As pessoas com mais de 18 anos passam a poder ter consigo até 25 gramas de canábis e a cultivar em casa até três pés da planta. A lei não prevê, porém, a existência de estabelecimentos com autorização para a venda de produtos à base de canábis, as chamadas coffee-shops. A opção do Parlamento alemão, no que respeita ao acesso à substância, residiu na regulação de clubes de canábis, dedicados ao cultivo não comercial e à distribuição da substância pelos respetivos membros..O modelo de regulação de canábis adotado na Alemanha é bastante diferente do modelo que existe nos Países Baixos, onde o consumo de canábis é tolerado pelas autoridades e os produtos podem ser adquiridos nas coffee-shops, dentro de certas restrições. É também distinto da estratégia seguida em Portugal, onde a posse de canábis até uma determinada quantidade corresponde a uma contraordenação social, sendo o consumidor de risco direcionado para comissões multidisciplinares que avaliam o seu perfil e decidem a melhor via de apoio e acompanhamento..De facto, nos países que optaram por regular o uso adulto (ou recreativo) de canábis, foram tomadas decisões normativas muito diversas quanto ao cultivo, transformação, posse, consumo e distribuição de canábis. O mesmo sucedeu, por exemplo, quanto à fiscalidade associada às diferentes fases da cadeia de produção de canábis, ao destino das receitas fiscais e ao modo de avaliar o impacto da opção por um modelo de regulação. Existem, portanto, vários modelos de regulação de canábis, que os decisores políticos podem ter a tentação de ver como soluções pronto-a-vestir, aptas a transplantar para os seus territórios..No entanto, a definição e avaliação de políticas públicas de drogas não deve seguir um modelo pronto-a-vestir, mas sim, algo próximo da alta-costura, ou seja, feito à medida das circunstâncias institucionais, económicas, sociais e culturais de cada país ou região. É precisamente este tipo de abordagem, que acolhe a complexidade, que tem sido defendido por diversos especialistas..Um exemplo recente ocorreu num evento organizado no âmbito da 67.ª sessão do Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e a Criminalidade, que teve lugar no passado mês de março. Nesse evento, o criminologista Alex Stevens defendeu uma avaliação realista das políticas de drogas, que tem em conta a complexidade do fenómeno. Esta abordagem assume que, em matéria de políticas públicas sobre drogas, não há relações de causalidade universais, que operem em qualquer contexto. Assim, para podermos compreender e explicar se uma determinada política está a atingir os objetivos, ou seja, se está a funcionar, temos de ter dados não só sobre os resultados (como, por exemplo, as prevalências de consumo), mas também sobre o modo como as políticas são operacionalizadas no terreno, ou seja, como se caracterizam as atitudes e comportamentos dos vários agentes envolvidos na implementação das políticas e os mecanismos usados nessa implementação..É provável que, depois de a Alemanha ter optado pela regulação do uso adulto de canábis, outros países europeus sigam a mesma política. Nessa tomada de decisão é importante considerar o contexto institucional, económico, social e cultural de cada território, procurando acolher a complexidade do mundo real. Em políticas públicas, esta alta-costura é fundamental..Ana Lourenço, docente e associate dean para Faculty na Católica Porto Business School