"Quanto mais trabalho mais a sorte me sorri" (Thomas Jefferson)
Há quem reclame com constância da sorte dos outros, apelidando de sorte aquilo que outros afirmam advir de tenacidade, zelo e muito trabalho. Talvez por isso os conceitos de sorte e de trabalho emerjam frequentemente como conceitos opostos: o primeiro usualmente associado ao acaso e à aleatoriedade e o segundo ao labor, à persistência e à acção deliberada. A análise destas noções, aparentemente díspares, revela, contudo, uma profunda interligação entre as duas.
A verdade é que o trabalho árduo actua como um poderoso catalisador, impelindo o ser humano para uma constelação de possibilidades benéficas, para uma jornada pejada de esforço, diligência e empenho, regida por uma vontade que gera acção e que por sua vez configura destino.
Neste cenário, entrelaça-se, por exemplo, trabalho com serendipidade, quando uma notável violinista devota inúmeras horas à prática diária do seu instrumento, mergulhando em diversos géneros e técnicas. A página tantas o seu talento e perícia podem atrair a atenção das entidades certas, catapultando-a para um contexto «sortudo», emergente num quadro de empenho e sacrifício.
O trabalho que eventualmente se entrelaça com a sorte, requer, em regra, não apenas dedicação, mas também um compromisso contínuo com o estudo, com a aprendizagem, com o conhecimento. Conhecimento esse, assim dizia Benjamin Franklin, que «é a chave que abre as portas da oportunidade». Por exemplo, um cientista que se entrega de corpo e alma à investigação em certa área do saber pode deparar-se, repentinamente, com questões e soluções inesperadas no seio da sua pesquisa. Não se trata apenas de fortuna ou fado, uma vez que a promessa de ventura surge na sequência de grande afinco científico.
Por sua vez, a perseverança e a resiliência, cultivadas que são por quem navega mares tumultuosos e penosos em sede profissional, contribuem para moldar as manifestações da sorte. Quem navega tais mares enfrenta mais facilmente tempestades e contratempos, continuando a sua marcha sem aparente abalo. Mais, o grau de firmeza e determinação angariados ao longo desse processo preparam o terreno para momentos fortuitos, momentos que podem alterar favoravelmente o curso de certa jornada. Por exemplo, um empreendedor que passa por múltiplas derrotas e revezes, nunca deixando de manter uma crença categórica na sua visão de negócios, pode chegar a bom porto porque certa estrela o favorece, no decurso da prossecução incansável e estóica pelo reconhecimento dessa visão.
Até no reino do acaso e do aleatório, o trabalho árduo tem impacto, sob a forma de instantes favoráveis em ambientes propícios. A entrega e a tenacidade podem ser o ímã que atrai a vicissitude, com resultados potencialmente transformadores. Por exemplo, um pintor que faz networking no respectivo meio pode deparar-se com um mecenas ou um coleccionador que se revelam vitais para o seu trabalho. Assistimos, aqui, a uma convergência, bem conhecida, entre sorte e preparação, alicerçada numa estrutura previamente edificada.
Ou seja, a relação entre a sorte e o trabalho não é de oposição e sim de profunda sinergia. O labor intenso, a busca incansável do conhecimento e a resiliência imperturbável lançam as bases para o florescimento da sorte, que surge, pois, qual trevo de quatro folhas regado por muita luta e labuta, num quadro onde a preparação e a oportunidade convergem de forma notável. É que a sorte dá trabalho.
(Nota: A autora não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico)
Patricia Akester é fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e Associate de CIPIL, University of Cambridge