Muito se tem falado sobre a origem do apagão que afetou a Península Ibérica. Após o incidente de 28 de abril de 2025, e em conformidade com a regulamentação europeia, a Rede Europeia de Operadores de Transporte de Eletricidade (ENTSO-E) criou um Painel de Peritos com o objetivo de investigar as causas do evento, produzir uma análise técnica abrangente e apresentar recomendações num relatório final ainda por divulgar. Até ao momento, este grupo de especialistas reuniu-se já três vezes, sendo a última reunião realizada a 23 de junho de 2025.
O Painel é composto por representantes dos Operadores de Rede de Transporte (ORTs), da Agência para a Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), das Entidades Reguladoras Nacionais, incluindo a ERSE, em Portugal, e dos Centros de Coordenação Regionais europeus.
O que aconteceu no dia 28 de abril?
Segundo o Painel, durante a manhã desse dia, verificaram-se variações significativas de tensão e frequência no sistema elétrico europeu. Meia hora antes do apagão, ocorreram duas oscilações principais. A primeira, entre as 11h03 e 11h07, foi classificada como uma oscilação forçada com frequência dominante de 0,64 Hz, afetando especialmente Espanha e Portugal.
Como medida de mitigação, às 12h11, foi alterado o modo de operação da interligação em corrente contínua (HVDC) entre Espanha e França, passando a operar em potência fixa. No entanto, a tensão no sul de Espanha aumentou drasticamente, provocando também uma sobretensão em Portugal. Este excesso levou a perdas de produção em cascata, o que resultou numa queda acentuada da frequência nos dois países.
Às 12h33, os sistemas elétricos ibéricos perderam sincronia com o Sistema Europeu. Apesar da ativação dos Planos de deslastre automático e de defesa do sistema em ambos os países, não foi possível evitar o colapso total da rede. A interligação com França foi interrompida, dando início aos processos de blackstart, ou seja, o arranque autónomo de algumas centrais elétricas, com apoio adicional das ligações com Marrocos.
O restabelecimento rápido da eletricidade demonstrou a preparação dos operadores afetados — a Red Eléctrica (REE), em Espanha, e a REN, em Portugal — com o apoio da operadora francesa RTE e da marroquina ONEE.
Ainda assim, o Governo espanhol atribuiu a responsabilidade do apagão a uma “combinação de fatores” e apontou falhas na gestão da rede elétrica, tanto por parte da REE como das empresas geradoras de energia. Segundo as autoridades, houve incumprimento de protocolos operacionais em situações de sobrecarga de tensão. O executivo espanhol indicou também que centrais de geração síncrona (como centrais a ciclo combinado, nucleares ou hidroelétricas) não absorveram a tensão como previsto, agravando a instabilidade do sistema.
Adicionalmente, algumas centrais em Portugal terão sido encerradas prematuramente face aos picos de energia, quando deveriam ter continuado em operação devido à sua importância para a estabilidade da rede.
A versão da Red Eléctrica
A REE, por sua vez, rejeitou a acusação de má planificação. A empresa afirma que a primeira oscilação detetada ocorreu numa instalação fotovoltaica em Badajoz, ligada à rede de transporte. A partir daí, verificaram-se desconexões não justificadas e falhas na absorção da sobretensão por parte dos geradores, o que levou ao colapso em cadeia da rede elétrica ibérica. A empresa também alega que o cumprimento das obrigações por parte dos geradores teria evitado o apagão.
Segundo Concha Sánchez, diretora-geral de Operação da REE:
“Se os geradores com obrigação de controlo dinâmico de tensão tivessem cumprido, não teria havido apagão.”
Nem o relatório da REE nem o do Governo espanhol revelam os nomes das empresas visadas, alegando motivos legais de confidencialidade.
Uma das conclusões oficiais mais relevantes é que não houve qualquer ciberataque envolvido no apagão, contrariando rumores iniciais. A confirmação foi feita pela ministra espanhola da Transição Ecológica, Sara Aagesen, durante a apresentação das conclusões da comissão de investigação.
O incidente levou várias associações e empresas do setor das energias renováveis — em Portugal, Espanha e a nível europeu — a apelar a mais investimento nas redes elétricas e em baterias de armazenamento. Estas entidades destacam a complexidade da gestão de um sistema elétrico com forte integração de renováveis e defendem a urgente modernização da infraestrutura.
“Este incidente sublinha a urgência de acelerar o investimento em infraestruturas e tecnologias que garantam a resiliência das nossas redes elétricas. A transição energética para as renováveis é incontornável, mas exige uma modernização robusta e inteligente que assegure a estabilidade e segurança do fornecimento. Precisamos de sistemas mais flexíveis e soluções como o grid-forming e o armazenamento de energia para evitar que falhas pontuais se transformem em apagões em larga escala”, sublinha José Trovão, Head of Energy no ComparaJá.
Uma forma essencial de fazer boas escolhas no setor energético é através do aumento da literacia sobre o tema. Comparar as diferentes empresas, os preços que praticam e as condições associadas é um passo fundamental neste processo.
O responsável reforça ainda: “É crucial aumentar a literacia energética da população. Compreender como funciona o sistema elétrico e os fatores que afetam a estabilidade da rede capacita os cidadãos a tomarem decisões mais informadas e a apoiarem as transições necessárias para um futuro energético mais seguro e sustentável. Sem esse conhecimento, é fácil cair em desinformação e atribuir culpas de forma injustificada.”
Um dos pontos mais sublinhados é a necessidade de apostar em tecnologias como o grid-forming, um tipo de controlo avançado que permite estabilizar e sustentar a rede elétrica mesmo com fontes variáveis como a solar e a eólica. Estas tecnologias, combinadas com sistemas de armazenamento, são vistas como essenciais para garantir níveis de tensão estáveis, segurança energética e maior resiliência do sistema.