O título deste artigo foi retirado de um discurso que o Secretário-geral da ONU proferiu na 12.ª Conferência Petersberg sobre Mudanças Climáticas que se realizou no passado dia 18 de julho.
"Ação coletiva" não é uma expressão coloquial criada por António Guterres - trata-se de um conceito oriundo das ciências sociais usado essencialmente no âmbito da sociologia, economia e ciência política. É utilizado em contextos onde se reconhece que a resposta conjunta a desafios coletivos é mais vantajosa do que a atuação independente de cada membro do grupo. Os exemplos são muitos e diversificados, pois este tipo de situações ocorre em domínios que vão desde o movimento sindical ao associativismo empresarial, passando pela preservação das espécies, organização de empresas, processos eleitorais e até gestão de condomínios.
Apesar de, em muitas situações, a cooperação ser mais vantajosa do que o individualismo, a verdade é que podem surgir comportamentos oportunistas por parte daqueles membros do grupo que decidem não colaborar, pois sabem que haverá sempre outros a contribuir para o bem comum. Está-se perante aquilo que se designa por problema da ação coletiva que decorre do facto de o benefício ser compartilhado mas o custo ser individual. Esta tensão entre benefício coletivo vs. custo individual tende a ser tanto mais significativa quanto maior for a dimensão do grupo.
Para ultrapassar esta situação, reduzindo a probabilidade de comportamentos oportunistas, pode-se utilizar incentivos, tanto positivos como negativos. Os primeiros servem para premiar quem coopera - por exemplo, no caso de um condomínio, reduzindo as prestações dos proprietários que assumam tarefas de administração; os segundos destinam-se a penalizar quem não colabora - por exemplo, agravando as prestações dos condóminos que se atrasam no pagamento.
É aqui que entra a frase de António Guterres. O desafio decorrente das alterações climáticas é claramente coletivo: afeta-nos a todos e só com o contributo de todos é que pode ser resolvido. Quando digo todos refiro-me não apenas a entidades que nos parecem relativamente "distantes" e "institucionais" como a ONU e as suas COPs, a Comissão Europeia e os próprios Estados. Refiro-me mesmo a todos, a começar pelos quase 8 mil milhões de habitantes que constituem a população do planeta.
A resposta às alterações climáticas não é um assunto que diga respeito apenas a governos e instâncias internacionais, pois vai implicar uma adaptação dos estilos de vida e da forma como organizamos as sociedades. O que significa que comportamentos oportunistas não irão faltar. Haverá sempre empresas que irão despejar os resíduos no mar ou rio, apesar de a legislação o proibir; haverá sempre cidadãos que, por comodismo, não irão separar os resíduos domésticos, apesar de existirem contentores para tal em frente a sua casa; haverá sempre Donald Trumps que, por ignorância, isolacionismo primário ou necessidade de afirmação grosseira, irão sair de acordos cujos países previamente ratificaram.
Guterres sabe tudo isto. Sabe que a capacidade de fiscalização e até para aplicar incentivos é sempre limitada, pois mesmo uma entidade como as Nações Unidas não tem, em última instância, poder para impor seja o que for.
Sobra, por isso, o apelo à emoção. Numa entrevista dada ao jornal Público nesta semana, Jane Goodall afirma que é necessário manter a esperança dando, inclusivamente, o exemplo do programa Roots & Shoots por ela criado e que envolve milhares de jovens em cerca de 65 países. A estratégia de António Guterres subjacente ao discurso da Conferência sobre Mudanças Climáticas, em que fala expressamente em suicídio coletivo, é também de natureza emocional, pese embora assente num outro tipo de sentimento: o medo.
Quando os incentivos positivos e negativos parece não chegarem, quando o apelo à esperança parece não ser suficiente, sobra o recurso ao medo: o principal mecanismo de proteção que, desde sempre, nos mantém vivos em situações de perigo.
Carlos Brito, professor da Universidade do Porto - Faculdade de Economia e Porto Business School