Há uma frase latente na nossa vida e que, por vezes, eu repito: o ser humano é o único animal que precisa de leis. Por isso temos sistemas judiciais complexos, mas razoavelmente funcionais, coadjuvados por autoridades de segurança e por órgãos de soberania. É certo que Aristóteles tocou noutro ponto distintivo ao falar do homem como animal político, com o dom da oratória, o único com capacidades discursivas. Poderíamos falar também da nossa consciência moral, ou do medo da morte que nos faz sobreviver. Mas é da aplicação das leis que não podemos fugir.
Na inteligência artificial (IA) não pode haver exceções. Por mais que a ausência de sistemas regulatórios possa acelerar a inovação, os perigos que a aplicação da IA pode esconder devem estar devidamente acautelados. Também neste ponto já há uma frase conhecida que precede os acontecimentos, a de que as leis vêm sempre a seguir à inovação - tipicamente tem acontecido: primeiro inova-se e só depois se legisla.
Longe da ideia romântica da ficção científica, onde máquinas lutam para dominar os humanos, o homem continua a inspirar-se no cérebro para o desenvolvimento da IA. Daí a necessidade de criar uma IA responsável. E a entrevista desta semana com Paulo Dimas, líder do Centro para a IA Responsável, fala dos quatro pilares fundamentais e toca - a meu ver - em duas questões essenciais neste domínio. A primeira ideia - e que nos chega em sinal de alerta - é a de uma corrida que se adivinha ao “armamento energético”, com o nuclear a apresentar-se como solução para alimentar o gigantesco consumo energético da IA. E daqui resulta a segunda ideia - num princípio de sustentabilidade -, em contraponto, que defende que o cérebro humano pode conter a chave para uma redução drástica destes consumos de energia, uma vez que, quando inferimos, o cérebro tem um consumo baixíssimo de energia. O problema é descobrir como replicar esse funcionamento, mas eu diria que dele não podemos fugir.
Não há dúvidas que estamos perante um tema apaixonante, que já mexe com a nossa vida no dia a dia, que está nas palma das mãos, diria. Veja-se como disparou o mercado de smartphones e de computadores com IA, que veio para diferenciar-se dos aparelhos que não têm estas funcionalidades.
A mudança instala-se nos consumidores - o que não tem mal nenhum -, mas somos humanos, precisamos de regras antes de nos deslumbrarmos. É importante não baixar a guarda em questões essenciais como as da privacidade, da não discriminação algorítmica, da transparência nos processos de tomada de decisão, da confiança.
Nota editorial: uma mensagem mais pessoal, agradeço aos leitores a confiança de sempre no trabalho da redação do Dinheiro Vivo, e em particularmente durante o período em que estive diretor. Termino nesta edição essas funções, por decisão minha (a mais difícil da minha vida), para me dedicar à Academia - uma paixão e um investimento de anos. Nunca deixarei de ser jornalista e será nessa qualidade que irei continuar a colaborar com o DV, porque acredito em projetos de jornalismo livre, relevantes para a sociedade, que cumprem o seu dever de informar e que respeitam as regras da profissão. Deixo também saudações emotivas a esta redação (que no último ano passou por um processo traumático de defesa dos valores da marca Dinheiro Vivo e das marcas do GMG) e aos atuais acionistas e administração, pela confiança.