"Afinal queremos inovação ou não?"

A Web Summit 2023 está quase aí, e na Contagem decrescente o DN conta com Nuno Fonseca, fundador e CEO da Sound Particles, empresa de software áudio usado por estúdios de Hollywood em produções como Star Wars, Game of Thrones, Indiana Jones ou Oppenheimer.
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Todos nós já percebemos que Portugal tem de apostar na inovação. E também é consensual, que muitos dos melhores especialistas portugueses nas diversas áreas da tecnologia, são docentes nas universidades e politécnicos. Como tal, é fundamental que exista uma ligação muito próxima com as empresas, de forma a aumentar a inovação no país.

Mas vamos pensar ao contrário... imaginem que alguém deseja acabar com a inovação nas empresas portuguesas! Provavelmente, uma das primeiras medidas a tomar seria ir ter com os melhores cérebros portugueses, os melhores especialistas nas diversas áreas do conhecimento, e pagar-lhes mais dinheiro para que não trabalhem diretamente com empresas. Na realidade, isso já acontece em Portugal, e chama-se regime de exclusividade.

Muitas pessoas desconhecem, mas os docentes do ensino superior recebem mais 50% do salário se estiverem em exclusividade. À primeira vista, parece fazer sentido: recompensar os docentes que se dedicam de alma e coração ao ensino. Mas por vezes determinadas medidas têm um impacto negativo que não é óbvio, e este é um desses casos. Na realidade, estamos a pegar nos maiores especialistas, e pagar-lhes para que o seu conhecimento não traga vantagens económicas para o país, fomentando que estes não criem as suas empresas, nem que esse conhecimento seja usado por empresas portuguesas já existentes. E isso é muito mau para o país.

Algumas pessoas estão a pensar: "mas isso não pode ser feito via universidade, através de protocolos de colaboração?" Fui docente do ensino superior durante 20 anos, e passei os últimos anos a liderar uma start-up deeptech que cria software áudio para estúdios de Hollywood, e que trabalha no dia-a-dia com problemas extremamente complexos. Mesmo com 5 doutorados no quadro, precisamos constantemente de apoio científico em determinadas áreas. Já contactámos MUITOS docentes do ensino superior, para fazermos pequenas colaborações pontuais (e com valores hora muito elevados), para ultrapassarmos determinados desafios, e a resposta é quase sempre a mesma: para eles, abdicar da exclusividade significa automaticamente perder um terço do salário anual; por outro lado, a colaboração via universidade obriga a tanta burocracia, que muitos deles preferem colaborar de forma gratuita (mas durante menos tempo) do que ter de passar por toda a burocracia necessária, para no final receber apenas uma pequena parte da quantia paga pela empresa.

Sim, projetos do tipo PT2020 funcionam bem entre empresas e universidades, porque não há urgência (o próprio processo de avaliação do PT2020/PT2030 demora imenso tempo); envolvem verbas elevadas (muitas vezes na ordem dos 6 dígitos); e em muitos casos, com pouco interesse nos resultados reais da colaboração (muitas empresas apenas recorrem a estas colaborações para terem majorações nos projetos). Por isso, mesmo que seja necessária muita burocracia, as coisas acontecem. Mas a grande parte de empresas portuguesas verdadeiramente interessadas em inovar, são relativamente pequenas (PMEs), têm problemas concretos que querem resolver com urgência, de âmbito relativamente pequeno (apenas querem alguma supervisão científica pontual, envolvendo meia-dúzia de horas do docente), e nesses casos, a colaboração com o ensino superior é um grande desafio.

A exclusividade afeta fortemente a economia portuguesa. Se queremos mais inovação em Portugal, temos de retirar esta "cerca" que existe entre empresas e docentes do ensino superior. Afinal queremos inovação ou não?

Doutorado em Eng. Informática

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