Além do Orçamento: A verdade por trás da Segurança Social

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Volto ao tema da (in)sustentabilidade da segurança social, sobretudo em contexto após o debate orçamental. A realidade foi mascarada com a ajuda da falta de tempo e foco no plenário e da atenção mediática, mas não é por isso que é menos importante a necessidade de retomar o tema das Reforma das Reformas e esclarecer alguns engodos.

O Partido Socialista não tem o monopólio da preocupação com o Estado Social. E este Governo não é o seu melhor curador. No passado dia 14 de novembro alertei, mais uma vez, para a falência da Segurança Social. Usei os mais recentes dados disponíveis - os do Governo no Orçamento do Estado. Perante as evidências a Ministra da tutela, Ana Mendes Godinho, respondeu que queria "assustar" os portugueses, "destruir" o Estado Social e que o futuro do sistema de previdência era risonho. É difícil combater processos de intenções. Porém, creio que a política tem de se fazer com honestidade e encarando os desafios de frente: não temos um sistema de previdência sustentável e estamos a condenar as gerações mais novas. E, independentemente das soluções, devíamos pelo menos concordar neste ponto.

As projeções

De acordo com as projeções do OE24: "as previsões de longo prazo do Sistema Previdencial de Segurança Social apontam para que os primeiros saldos negativos ocorram em meados da década de 30 (...). Estas estimativas têm por base um cenário de políticas invariantes, que apontam para a manutenção das contribuições e quotizações em 9,4% do PIB ao longo de todo o período de projeção e um aumento da despesa em 2.3 pontos percentuais até 2050".

Este parágrafo, do próprio Governo, demonstra três coisas: que o sistema estará em rutura já na próxima década, que continuará em perda até 2070 e, acima de tudo, que o cenário de projeção é muito otimista.

De facto, o cenário assume que o desemprego vai-se manter constante quando, igualmente nas palavras do próprio Governo, os números do desemprego são "extraordinários". O mesmo relatório indica que "um aumento permanente de 1,5 pontos percentuais da taxa de desemprego a partir de 2025 e a diminuição do emprego em 1 ponto percentual em 2025" farão com que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança social, a almofada para as nossas pensões, se esgote em 2060. Claro que o que é falado pelo Governo é o irrealista cenário base. O irrealismo é também patente no facto de as quotizações e contribuições se manterem constantes na percentagem do PIB. Com uma redução da população ativa (projeções OCDE) e uma economia / produtividade com crescimento medíocre, como podem as contribuições e quotizações manter-se?

Por tudo isto, implicitamente, para manter o sistema a funcionar o Governo está a considerar uma destas soluções:

1. Aumentar as contribuições, para gerar mais receitas.

2. Elevar a idade da reforma, reduzindo despesas e gerando mais receitas.

3. Aceitar que as pensões terão que ser significativamente reduzidas para controlar os gastos.

4. Ou uma conjugação entre estas opções.

As despesas extraordinárias

O cenário acima, apesar de todas as dificuldades, acresce no otimismo os aumentos extraordinários da Caixa Geral de Aposentações (CGA). A CGA foi desenhada no Estado Novo com o objetivo de pagar as pensões aos funcionários públicos. Sendo um modelo de repartição, onde os trabalhadores ativos pagam as reformas dos inativos, e não entrando ninguém desde 2005, não há mais novos contribuintes para pagar as pensões dos mais velhos pelo que o sistema vai estando em défice. Este cenário era e é previsível: este subsistema de pensões tem de ser reforçado.

Contudo, nos estudos de sustentabilidade da Segurança Social que suportam o Orçamento do Estado, as contas da CGA não estão totalmente presentes, já que não é possível avaliar quanto capital este mecanismo vai consumir a 10, 20 ou 30 anos. Note-se que tem sido necessário pôr mais dinheiro do que o previsto.

A taxa de substituição

Perante todo este descalabro reforcei, em debate com a equipa da tutela, os números conhecidos: as melhores previsões independentes indicam que os nossos jovens vão se reformar com uma pensão correspondente a metade do seu último salário. A ministra retorquiu dizendo que os dados da OCDE indicam que Portugal que os reformados HOJE saem em média para a reforma com 90% do seu salário, um dos valores mais elevados nos países ocidentais. Há uma diferença temporal: a Segurança Social desenha-se a prazo, e a ministra apresenta os dados presentes.

Além disso, e agravando a situação, Portugal tem uma baixa taxa de poupança e, ademais, muita da poupança das famílias é em imobiliário, o que implica que não é uma solução líquida e que responda picos de tesouraria na reforma.

Há ainda algum egoísmo intergeracional, dos governantes ao dizerem que não se deve "assustar" ou não falar em reformas, nem que fosse em sistemas supletivos. Implicitamente está-se a dizer que não devemos alertar as gerações mais novas que terão 50%, ou menos, de valor de reforma face ao último vencimento. Em segundo lugar, mesmo considerando o cenário de sustentabilidade apresentado, como é possível focar apenas em 50% e negligenciar politicamente o desenvolvimento de soluções para o 50% da pensão em falta? Isto seria o mínimo de responsabilidade e respeito intergeracional, para além de uma visão a médio prazo de velhice digna.

Depois de anos a afirmar que temos a melhor constituição do mundo, o melhor SNS do mundo, vamos esconder os problemas de poupança e reforma com a melhor Segurança Social do planeta... Portugal não tem o melhor Estado Social, nem uma Segurança Social sustentável e intergeracionalmente justa. E não há problema que possa ser resolvido se, pelo menos, não for reconhecido.

Carla Castro, deputada Iniciativa Liberal

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