Alfarroba entra na gastronomia nacional e já é paga pelo dobro

Fruto confinado à tradição algarvia conquista mais portugueses e estrangeiros. Exportação no máximo no ano passado. Importação inédita neste ano.
Publicado a

O pão de alfarroba é uma das últimas possibilidades de escolha nas ofertas servidas pelas grandes superfícies, a juntar à diversificação de bolachas, barras energéticas e outros doces, ou mesmo cervejas, em que a farinha deste fruto pontifica como novidade, ou simplesmente em associação à ideia de um produto saudável.

Uma maior procura foi determinante para o fruto passar a valer o dobro apenas num ano. De ração para animais, a alfarroba adquiriu um novo estatuto na gastronomia e isso já é visível no preço pago aos produtores.

“Durante os últimos dez anos, os preços foram sempre baixos, na ordem dos 30 cêntimos por quilo, ao produtor. Neste ano, já subiu para 60”, revela Isaurindo Chorondo, sócio-gerente da Industrial Farense, o maior grupo nacional dedicado à alfarroba. Estima-se que a produção deste ano tenha atingido os 15 milhões de euros.

Como era um fruto pouco valorizado, a área de pomar tem-se mantido estável, confinada aos concelhos de Loulé, Tavira e Silves, no Algarve, e a algumas áreas no Baixo Alentejo. No entanto, José Cabrita Vieira, proprietário do Viveiro Pedra Branca, no concelho de Lagoa, reconhece ter havido neste ano “uma maior procura por alfarrobeiras”, embora seja preciso esperar três a quatro anos até darem os primeiros frutos.

A produção anual oscila entre as 21 mil toneladas, nos piores anos, e as 50 mil, nos melhores, segundo Pedro José Correia, docente e investigador na Universidade do Algarve e atualmente presidente da Associação Interprofissional para o Desenvolvimento da Produção e Valorização da Alfarroba (AIDA).

A assegurar essa produção, Pedro José Correia estima haver cerca de 300 produtores, sem contar com os proprietários de pequenas parcelas. Todos têm de recolher o fruto à mão, por não existir ainda a apanha mecânica (apenas algumas experiências), o que tem colocado problemas acrescidos aos produtores relativos à falta de mão-de-obra.

Podem armazenar a produção por dois ou três anos, sem que o fruto perca qualidade, e vendê-lo em função do preço no mercado, à espera das melhores cotações. O armazenamento é, aliás, outra vantagem associada à produção, por anular o peso da sazonalidade que a apanha em agosto e setembro poderia determinar.

Na hora de comercializar o fruto, os produtores podem encaminhá-lo para os industriais da primeira transformação, em que se separa a semente da polpa, dois subprodutos com elevada procura. A polpa é triturada em diferentes tamanhos e dela extrai-se a farinha, à qual se associam propriedades antioxidantes, ausência de glúten, rica em açúcares, baixo nível de gordura e praticamente isenta de fitotóxicos.

As sementes, sujeitas a uma segunda transformação, dão origem ao E-410, um aditivo versátil usado como espessante, estabilizante, emulsionante ou gelificante, com aplicação na indústria alimentar, farmacêutica, têxtil (impressão) e cosmética, entre outras.

Mercado em alta

São os subprodutos que alimentam as exportações. No ano passado, exportou-se o equivalente a 3,29 milhões de euros, o valor mais alto desde, pelo menos, 2010. Neste ano, até ao final de julho, a conta já supera os dois milhões, um registo melhor do que em alguns destes anos inteiros, segundo o Instituto Nacional de Estatística.

Espanha é, desde sempre, o principal mercado de destino das exportações, e também a origem das importações, na sua quase totalidade.

O crescimento das vendas ao exterior é confirmado por Isaurindo Chorondo. O grupo que lidera faz a primeira e a segunda transformações, mas a semente é o principal produto, que exporta praticamente a 100%, tendo por destinos relevantes Japão, Holanda, Dinamarca, Alemanha e Espanha.

Salvador Madeira, proprietário da Madeira & Madeira, Lda., empresa que separa a polpa da semente, exporta 70% a 80% da produção, sobretudo para Espanha. Subscreve o bom momento do mercado.

Sendo Portugal um dos maiores produtores mundiais de alfarroba e um grande exportador, apenas importa nos anos de pior produção. Mas, neste ano, até ao final de julho, as importações atingiram uns inéditos 136 mil euros e este é um valor muito acima dos registos de anos inteiros, pelo menos desde 2010. Para referência, no ano passado, por exemplo, apenas se importaram 21 210 euros e foi o segundo valor mais alto dos sete anos considerados.

Os valores do INE reportam-se à importação de alfarroba seca, que pode estar a ser usada para a transformação em farinha e, assim, ajudar a justificar a maior oferta do produto ao consumidor final, como admite Pedro José Correia.

Já Isaurindo Chorondo desvaloriza as importações deste ano, lembrando que aquele valor “pode corresponder apenas a um camião de sementes” e esclarece que ainda não entraram em funcionamento as novas instalações que ergueu - “talvez só no próximo ano” - e que poderiam justificar a importação de mais matéria-prima.

Boa no prato e no campo

Enquanto decorrem estudos académicos para aferir os benefícios da alfarroba na saúde, nos quais participam vários investigadores da Universidade do Algarve e a empresa Chorondo & Filhos, Lda., Pedro José Correia está a conduzir uma investigação sobre o potencial da alfarrobeira no sequestro de dióxido de carbono. A ideia é avaliar esse contributo e compensar os produtores por essa função ambiental.

A própria árvore é alvo de estudos para apuramento de exemplares com crescimento mais rápido, uma aposta na qual o Viveiro Pedra Branca foi pioneiro, com recurso massificado à enxertia. O Ministério da Agricultura também dispõe de campos de ensaio em Tavira, mas falta ainda, por exemplo, o estudo genético da planta que permita identificar cada variedade e as suas características.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt