O governo vai avançar em Conselho de Ministros, amanhã, no caderno de alterações às leis laborais, com 70 propostas que não recolheram o apoio de nenhum dos parceiros da Comissão Permanente de Concertação Social até esta quarta-feira, admitindo apenas considerar na discussão algumas das visões apresentadas.
O pacote, com mais seis medidas que as originalmente inscritas para apresentação aos parceiros, estende a suspensão dos prazos de caducidade de convenções coletivas e reforça mecanismos de arbitragem perante denúncias dos acordos. Mas as confederações empresariais alegam inconstitucionalidade das propostas e avançam que pretendem recorrer para o Presidente da República. Já as centrais sindicais veem as medidas como "paliativos" e insuficientes para dar resposta à exigência de revogação das normas que permitem a denúncia unilateral das convenções.
"Naturalmente, uns parceiros consideram insuficiente, outros consideram excessivas", considerou a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho. "É a proposta que consideramos equilibrada", defendeu.
Segundo a ministra, amanhã os membros do governo irão discutir já uma proposta de lei a partir do conteúdo da chamada Agenda do Trabalho Digno nascida da discussão do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho iniciada em julho de 2020, agora incluindo as evoluções mais recentes relativas à contratação coletiva que procuram ir ao encontro das reivindicações de PCP e Bloco de Esquerda na área laboral, com vista à viabilização da proposta do Orçamento do Estado para 2022.
"Aquilo que estamos a construir é uma proposta de lei que será apresentada à Assembleia da República", afirmou Mendes Godinho, rejeitando precipitação do governo relativamente ao momento em que a proposta para rever o Código do Trabalho avança. "Estamos a seguir todos os passos que tínhamos previstos na Agenda do Trabalho Digno", disse.
Relativamente às reuniões anteriores, o governo acrescentou às propostas de mudanças já apresentadas a extensão por mais 12 meses da suspensão dos prazos de sobrevigência e caducidade das convenções coletivas que está em vigor desde março deste ano por dois anos, e que assim poderá ir até março de 2024. Além disso, pretende reformular o mecanismo de arbitragem após denúncia unilateral de convenções, naquele que foi o ponto de maior discórdia para as organizações representativas dos interesses empresariais.
Segundo Ana Mendes Godinho, o objetivo quanto a este último ponto é que as atuais disposições relativas à arbitragem necessária - que pode ser acionada por decisão do responsável da pasta do Trabalho já após a extinção de convenções para que não haja vazios de acordos, mas não teve até aqui utilização - sejam alteradas para que a arbitragem assuma uma função "preventiva". "Ou seja, permitindo que qualquer uma das partes, antes de terminado o prazo da sobrevigência da convenção, possa pedir a ativação desta arbitragem necessária. No fundo, permitindo que não haja um vazio da convenção, que não caduque, que se mantenha em vigor até que haja uma decisão por parte dos árbitros que sejam convocados", explicou. O requerimento também suspenderá o prazo da sobrevigência dos instrumentos até à decisão arbitral.
Já se as partes não se entenderem sobre o objeto da arbitragem, a decisão arbitral será ela "própria um instrumento de regulação coletiva de trabalho para garantir que há definição das regras aplicáveis - nomeadamente, manutenção ou não de algumas regras do acordo coletivo em vigor", de acordo com a governante.
Ora, no entendimento da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) - acompanhada das restantes confederações patronais - a proposta do governo chocará de frente com as convenções da Organização Internacional do Trabalho e também com a própria Constituição, no que diz respeito aos direitos da associações sindicais e contratação coletiva (artigo 56º), segundo apontou o presidente, António Saraiva, à saída da reunião da Concertação.
"A CIP não tem possibilidade de recorrer de normas inconstitucionais, mas iremos é junto daqueles que o podem fazer - parlamento, Presidente da República - solicitar essa mesma inconstitucionalidade", indicou o dirigente da CIP, que irá procurar resposta "prioritariamente" junto de Marcelo Rebelo de Sousa em função da evolução das propostas.
Também para as centrais sindicais, as últimas propostas somadas continuam a não satisfazer. Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP, qualificou as mudanças previstas na arbitragem como "paliativos" e um "mecanismo de secretaria" que não irá resolver o problema da caducidade de convenções, insistindo na revogação da norma atual que permite a extinção de acordos sem novas convenções.
O documento, disse a líder da CGTP, também não responde às questões da redução de horários, melhoria de salários e às reivindicações da intersindical para assegurar efetividade de vínculos para postos de trabalho que representam necessidades permanentes. "Este conjunto de medidas, que aqui nos foi apresentado em modelo final, não dá resposta àquilo que são os grandes problemas", defendeu.
A UGT também considerou a medida insuficiente para deter o afundar da contratação coletiva, cuja abrangência nas renovações foi fortemente impactada pela pandemia. "O governo agora vem com a proposta de que a arbitragem necessária deve ser utilizada previamente ao final da caducidade. É eventualmente um avanço, mas não é o suficiente para impedir que haja uma caducidade só porque alguém ou uma das partes quer fazer caducar um acordo", considerou o secretário-geral adjunto, Sérgio Monte.
A UGT quer entretanto avanços do governo quanto ao pagamento do trabalho suplementar, onde afirma não ter ainda ter tido resposta. Nesta matéria - onde há já projetos de lei para repor as compensações previstas antes do período da troika aprovados na generalidade no parlamento - a UGT avança com a ideia de uma "condição de recurso" que fixe um número de horas extra a partir do qual haverá pagamento. "Vamos ver se o governo acolhe ou não acolhe", referiu Sérgio Monte.
Em resposta à questão sobre se o governo remeterá para trabalhos parlamentares mudanças às regras do trabalho suplementar - à semelhança, do que fará com o teletrabalho, onde Bloco de Esquerda e PS já alinharam propostas - a ministra Ana Mendes Godinho assegurou que o assunto levantado pela UGT será, pelo menos, discutido na reunião de Conselho de Ministros amanhã, não afastando desde já a recuperação de valores para os trabalhadores.
"Transmitiremos em Conselho de Ministros todas as matérias que foram suscitadas pelos parceiros sociais", incluindo a proposta da UGT, referiu a ministra do Trabalho, assumindo também o lugar das negociações parlamentares em curso sobre a matéria.
"Naturalmente, em sede parlamentar estas matérias são passíveis de serem discutidas. Nomeadamente, todas aquelas que consideramos que estão alinhadas com os nossos objetivos macro da Agenda do Trabalho Digno e da Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho. Concretamente, todas aquelas que têm que ver com a conciliação da vida pessoal, profissional e familiar", afirmou, juntando que "tudo o que sejam formas de induzir a que os trabalhadores tenham tempo de descanso necessário à conciliação da vida pessoal" são prioritárias na agenda.
"Estamos sempre disponíveis para evoluir naquelas que são as matérias que têm que ver com os princípios que assumimos como críticos e prioritários na Agenda do Trabalho Digno", assegurou.
Entre várias matérias, o documento do governo propõe introduzir limitações à contratação temporária; reforçar de forma permanente os poderes da Autoridade para Condições do Trabalho reverter despedimentos ilegais; determinar as situações em que poderão ser reconhecidas relações de trabalho dependente entre plataformas digitais e estafetas; ou ainda impedir temporariamente o recurso a outsurcing após despedimentos. São ao todo, agora, 70 propostas, sobre as quais o governo diz ter havido acordo quanto a "princípios", mas não quanto medidas concretas.
Atualizado pela última vez às 15h57