Altice quer cortar nos planos de saúde vitalícios de 30 mil beneficiários
A dona da Meo quer mexer nos benefícios dos três planos de saúde do subsistema Altice Associação Cuidados de Saúde (ACS), o que poderá resultar num encarecimento das contribuições dos titulares, numa diminuição dos serviços cobertos e na introdução de plafonds que antes não existiam. A revisão vai mexer sobretudo nos planos de saúde vitalícios que abrangem cerca de 30 mil beneficiários.
Os sindicatos e comissão de trabalhadores da Meo acusam a empresa de querer valorizar-se à custa da redução de responsabilidades futuras na saúde e rejeitam rever planos de saúde, devido ao contexto de guerra na Europa e à espiral inflacionista. A Altice Portugal diz estar em causa a sustentabilidade do ACS.
A Altice confirma ao Dinheiro Vivo (DV) que iniciou um diálogo, mas rejeita especificar as alterações desejadas. Fonte oficial apenas explicou que a intenção de rever os planos deve-se às "múltiplas alterações" do contexto da saúde, notando "um incremento de custos assinalável". E como os planos do ACS não são revistos desde 2014, considera "incontornável" a revisão "a bem do rigor e da gestão eficiente". A empresa quer ter as alterações em vigor em 2023.
O Altice ACS é o antigo PT ACS. Criado em 1995, após a fusão da Telecom Portugal, da TLP e da TDP, na então Portugal Telecom, equipara-se a uma instituição particular de solidariedade social sem fins lucrativos. Surgiu para criar um plano de saúde solidário (quem mais ganha, mais paga e quanto mais doente mais cuidados estão cobertos): o Plano de Saúde Clássico, que é vitalício e aplica-se a todos os beneficiários inscritos até 31 de julho de 2003. Mais tarde, surgiram os planos de saúde Corporativo I e Corporativo II (não vitalícios). Os planos abrangem trabalhadores no ativo, em suspensão do contrato de trabalho, na pré-reforma, reformados e respetivos familiares inscritos. O tema é complexo e toca em diferentes sensibilidades dentro do grupo.
A proposta
O DV teve acesso à primeira proposta entregue aos sindicatos e comissão de trabalhadores. Nela, a empresa propõe que a quota mensal suba de 1,8% para 2,1% para todos os ex-trabalhadores. No caso dos familiares inscritos, prevê o fim de isenções para descendentes, passando a aplicar-se uma tabela de quotas, exceto a portadores de deficiência ou cujos pais morreram ao serviço da Altice. A tabela aplicar-se-ia em função da idade e dos rendimentos (os valores vão dos zero aos 217,5 euros/mês).
É proposto que um serviço de urgência passe de 18 para 40 euros; uma consulta de medicina geral e familiar (MGF) de 4 para 10 euros; e uma consulta de especialidade de 5,15 para 15 euros - ambas em rede própria. Na rede convencionada, uma ida à MGF subiria de 4,6 para 15 euros, enquanto uma consulta de especialidade passaria de 7 para 20 euros. Os beneficiários perderiam, ainda, o desconto de 20% em exames de imagiologia (uma ressonância magnética passaria a 65 euros por ato).
Para os grandes doentes (oncológicos, por exemplo), deixaria de haver plafond ilimitado criando-se um limite de 50 mil euros mais um copagamento de 20%, em regime de internamento. Em regime de ambulatório, o plafond ficaria limitado a cinco mil euros mais um copagamento de 20%.
No mesmo regime, a franquia cresce de 21 para 40 euros, e a oxigenoterapia, os transportes e a compra de fraldas e resguardos deixam de estar cobertos. A área da psiquiatria deixaria de estar coberta, em regime de internamento. A área de psicologia só para os trabalhadores ativos, em ambulatório. Se um beneficiário precisar de um crédito, o mesmo deixa de ser automático e não cumulativo.
Altice quer acordo
A proposta descrita foi a primeira, servindo de base para chamar os sindicatos à negociação. A concretizar-se a revisão, e se os novos valores não satisfizerem, qualquer titular pode desistir de um plano a qualquer momento. No caso do Clássico, os beneficiários podem transitar para um dos outros dois planos previstos, menos abrangentes e não vitalícios.
A empresa já apresentou, porém, outras propostas. Mas nenhuma delas foi considerada pelas estruturas representativas dos trabalhadores, sendo que a administração da Altice quer evitar uma decisão unilateral, sabe o DV.
As propostas seguintes "pouco mudaram", por isso o momento é de "impasse", diz fonte conhecedora do processo. Os sindicatos e comissão de trabalhadores consideram que não existe uma negociação, mas sim reuniões convocadas pela empresa. Responsáveis da empresa, sindicatos e comissão de trabalhadores já se reuniram seis vezes, desde fevereiro, a propósito do ACS. Na próxima terça-feira, dia 19, há nova reunião.
Quotas pagam 40%
No final de 2021, os três planos de saúde ACS abrangiam 36 512 pessoas, entre trabalhadores no ativo, em suspensão do contrato de trabalho, na pré-reforma, reformados e respetivos familiares inscritos. Destes, 6445 são trabalhadores do grupo no ativo, 16 697 são ex-trabalhadores e 13 370 são familiares inscritos. Dos mais de 36 mil titulares, 29 753 estão no plano Clássico (aí só cerca de 2500 são trabalhadores no ativo), que é vitalício e pesa 18,2 milhões de euros (613 euros por beneficiário) nas contas da empresa, segundo a primeira proposta feita pela dona da Meo. Só em quotas, os titulares do Clássico pagaram 13,2 milhões de euros à ACS, no ano passado.
Contas feitas, mais de metade do plano Clássico paga-se com as quotas dos beneficiários. Somando ao Clássico os planos Corporativo I e Corporativo II, o custo total para a Altice é de 30,3 milhões (quotização paga quase 40%). Em 2017, eram 33,8 milhões.
O documento indica uma queda de 3,5%/ano no número de titulares dos planos ACS (quebra de 3,3%/ano no Clássico) e uma trajetória descendente nos custos dos mesmos para a empresa, desde 2017. No entanto, a empresa estima que o custo dos planos cresça oito milhões de euros até 2025 se nada for revisto, com base no "aumento da esperança média de vida, no envelhecimento progressivo dos beneficiários (em especial do plano Clássico), no surgimento de tratamentos inovadores dispendiosos na área da oncologia, na inflação generalizada e no crescimento dos custos de saúde".
O que dizem os sindicatos
Ouvidos os sindicatos (STPT, Sinttav e SICOMP) e a comissão de trabalhadores da Meo, a conclusão é uma: rejeitam a pretensão da administração da Altice, considerando que foi acenada "uma proposta muito agressiva", numa altura de incerteza com o contexto de guerra na Europa e de inflação. Por agora, dizem não querer fazer este tipo de negociação.
Mas encontram justificação para o que a Altice pretende: por um lado, há a Multicare que, segundo Francisco Gonçalves, da Comissão de Trabalhadores da Meo, faz a gestão operacional da Altice ACS desde 2016 e com quem agora a Altice está a negociar a renovação do contrato; por outro, o dirigente entende que a empresa "quer valorizar-se à custa de responsabilidades futuras na saúde, que ascendem a 410 milhões (de um total de 1,1 mil milhões), diminuindo-as".
Segundo Jorge Félix, presidente do STPT, "não tem lógica uma revisão", pois o ACS "faz parte do grupo Altice, é parte integrante do orçamento do grupo e, por isso, a empresa sabe que tem de contribuir". Argumenta, ainda, que não "está demonstrada a falta de capacidade da Altice" face ao custo dos planos, "até porque grande parte da comparticipação já está do lado dos trabalhadores".
E se a empresa avançar unilateralmente com a revisão? O SICOMP não se compromete, mas o STPT e o Sinttav admitem ir para os tribunais, pelo menos, no caso do plano Clássico, defendendo que, como foi criado por decreto-lei, em 1994, "uma revisão deve ser acordada com uma maioria de sindicatos que representem a maioria dos trabalhadores beneficiários".
Os outros dois planos foram atos de gestão e a empresa não tem obrigação de negociar, segundo os dirigentes.
"Há dúvidas sobre até que ponto o plano de saúde Clássico pode configurar uma retribuição em espécie. Se assim for, a empresa não o pode alterar", segundo o dirigente do STPT.
"Se avançarem por ato de gestão cá estamos e também temos os tribunais. O nosso acordo é que não vão ter", garantiu Manuel Gonçalves, presidente do Sinttav, argumentando que o ACS "já nem é o mesmo que foi negociado em 1994 - não estamos disponíveis para mudar as coisas para pior".
Revisão de planos apoia outras metas do ACS
A revisão dos planos do ACS insere-se numa estratégia mais abrangente, de acordo com fonte oficial da Altice. Por isso, alega, uma revisão pode também apoiar novas apostas na área da saúde. "Fortemente apostada em fazer mais e melhor, a pensar nos seus beneficiários, a ACS vai continuar a inovar e melhorar continuamente os cuidados de saúde prestados", defendeu.
Exemplo dessa estratégia é a construção de um novo centro clínico na zona da Estefânia, em Lisboa, cuja conclusão da obra está prevista para o final de 2022. O edifício em causa era um antigo call center da empresa e, feita a reconversão, no novo centro clínico poder-se-á fazer pequenas cirurgias. Se tudo correr dentro dos prazos, o objetivo é ter o novo centro clínico a iniciar funções já no início de 2023.
Além dos planos de saúde e de centros clínicos, o Altice ACS inclui serviços de medicina do trabalho e outros programas de saúde. O ACS também está disponível para empresas externas ao grupo Altice Portugal.
A empresa revelou que, em março, foram reabertos os centros clínicos de Faro e Ponta Delgada e que está a trabalhar para reforçar a rede de prestadores de serviços - a Fundação Champalimaud foi a último a firmar parceria com o ACS.