A Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) recomendou à Autoridade da Concorrência (AdC) que a Vodafone devolva os direitos de utilização de frequências adquiridos pela Nowo no leilão do 5G, na fase reservada a novos entrantes (exclusiva para os operadores que não tinham rede móvel própria no país). Esta é a principal condição proposta pelo regulador setorial para que a aquisição da Nowo pela Vodafone Portugal possa avançar.."Sem prejuízo da análise que a Anacom venha a fazer sobre eventuais compromissos que venham a ser oferecidos" pela Vodafone Portugal, o regulador do setor entende que esses compromissos "deverão incluir a devolução de, pelo menos, o espetro da Nowo que a Vodafone não podia licitar no leilão de 2021 e a assunção das obrigações a que a Vodafone estaria obrigada caso tivesse adquirido 100 MHz [megahertz] de espetro na faixa dos 3,6 GHz no leilão de 2021, podendo também justificar-se algum tipo de compromisso associado à rede fixa para evitar a redução de capacidade no mercado", adianta o parecer enviado à AdC. Ou seja, a Anacom quer que sejam devolvidas as licenças da Nowo relativas a dois lotes arrematados (um total de 20 MHz) na faixa dos 1800 MHZ - embora disponibilizada no leilão do 5G, esta banda é mais importante para a exploração do 4G. A Nowo também detém licenças nas faixas dos 2,6 GHz e dos 3,6 GHz, esta última essencial para o desenvolvimento do 5G a par da faixa dos 700 MHZ. Na banda dos 3,6 GHz, a Nowo ficou com 40 MHz e a Vodafone com 90 MHz. Ora, a Anacom não quer que o espetro controlado pela Vodafone na faixa dos 3,6 GHz supere os 100 MHz, após a concretização do negócio. A soma do espetro detido pela Nowo e pela Vodafone nesta faixa supera os 100 MHz, limite definido para cada operador nos termos do leilão do 5G. O parecer da Anacom não é vinculativo, a decisão final sobre o negócio é da Concorrência. No entanto, chamada a pronunciar-se pela AdC, a Anacom defende que a aquisição da Nowo só pode ter luz verde mediante "compromissos". Caso contrário, o negócio provocará "efeitos nocivos" sobre o mercado das telecomunicações. Por isso, o regulador liderado por Cadete de Matos não só recomenda a imposição de condicionantes para salvaguardar a promoção do surgimento de novos players de telecomunicações - um dos principais objetivos do leilão do 5G -, como também pede à AdC uma investigação aprofundada ao negócio para garantir que as condições impostas "eliminem os referidos efeitos nocivos"..A equipa de Cadete de Matos considera mesmo que "há suficiente evidência" de que o negócio, sem quaisquer condições, vai prejudicar o setor. São sete os referidos "efeitos" nocivos" identificados pela Anacom, caso o negócio se concretize tal como foi apresentado ao regulador setorial e à AdC..Primeiro, antecipam-se "eventuais aumentos de preços da Vodafone e, adicionalmente, aumentos de preços específicos para os clientes da Nowo". A Anacom argumenta que a Nowo é o operador que "oferece os preços mais reduzidos" no mercado e, "tendo em conta que os preços praticados pela Vodafone são, em muitos casos, superiores aos praticados pela Nowo, esta operação poderá resultar em aumentos de preços da Vodafone e também para os clientes da Nowo (após o respetivo período de fidelização contratualmente definido)". Acresce que nas zonas onde a Nowo está presente (os serviços deste operador ainda não cobrem todo o território nacional), os clientes da Vodafone "deixariam de ter como alternativa um operador com preços mais baixos"..O segundo ponto incide sobre a concorrência. O regulador confirma que a operação traduz-se "num reduzido acréscimo" da quota de mercado para a Vodafone Portugal, "atingindo este operador uma quota máxima de 31,8%, que não ultrapassa o limiar de 40% a partir do qual poderia existir uma posição dominante". Contudo, a Anacom alerta para o "aumento da concentração no mercado nacional e em alguns mercados geográficos infranacionais". Pelo menos em nove concelhos do país, a Vodafone passaria a ter uma posição dominante - o que "deve ser objeto de investigação pela AdC"..A Anacom chama a atenção, ainda, para a "redução da concorrência e da rivalidade nos mercados retalhistas". Será esse o terceiro risco na análise de Cadete de Matos, considerando que o setor tem "elevadas barreiras à entrada" de novos operadores. Assim, o regulador teme que a entrada da Nowo no universo Vodafone acabe por reforçar "uma estrutura de mercado simétrica". "Tal poderá potenciar riscos de um equilíbrio entre operadores com um nível de concorrência inferior ao que poderia ser já hoje", lê-se.."Desta forma, em termos de concorrência potencial, o efeito da presente operação sobre a dinâmica concorrencial nestes mercados é superior ao efeito que a análise das quotas de mercado indica", prossegue o regulador. Por isso, o quarto risco elencado incide sobre a "redução da concorrência potencial nos mercados retalhistas dos serviços de comunicações eletrónicas fixas e móveis".."Redução da eficácia das medidas de promoção da concorrência que a Anacom introduziu no leilão 2021, com impacto também em futuros leilões" é o quinto risco identificado. A Anacom reitera que "a Vodafone passaria a ter controlo sobre espetro, detido pela Nowo, que a Anacom não lhe permitiu licitar" no leilão do 5G. Dessa forma, a Vodafone teria "obrigações de desenvolvimento de rede menos exigentes do que aquelas que teria tido se tivesse obtido parte desse espetro" no leilão..O regulador considera, ainda, que aceitar o negócio como ele foi apresentado também poderá "pôr em risco a credibilidade das regras que venham a ser definidas em futuros leilões, distorcendo ainda as decisões das empresas nesses mesmos leilões"..As regras do leilão do 5G previam, por exemplo, a reserva de espetro ou o roaming nacional como forma de atrair novas operações de telecomunicações para Portugal..O sexto efeito penalizador é que o sucesso da operação, sem quaisquer compromissos, poderá "negar espetro a novas operações, ou operações distintas das dos principais operadores, impedindo ou diminuindo o desenvolvimento da concorrência no mercado de comunicações móveis em Portugal pela criação de limites ao surgimento e/ou crescimento de concorrentes", na ótica da Anacom..Acresce que os clientes da Nowo "poderiam ser particularmente relevantes para favorecer uma entrada, ou expansão, com sucesso no mercado português". É aqui que surge o sétimo efeito nocivo. "Não é excluída a hipótese de que a concentração em causa, na medida em que nega esses clientes a um novo entrante ou a uma operação distinta da dos operadores históricos, possa conduzir àquilo que se designa como um encerramento de clientes"..Foi a 30 de setembro que a Vodafone Portugal anunciou ter conseguido um acordo para adquirir a Nowo. A operação ocorre através da compra da Cabonitel S.A, detida pela Llorca JCO Limited, acionista da espanhola MásMóvil. O valor do negócio não foi revelado, mas fontes do setor indicam que rondará os 150 milhões de euros. A 24 de outubro, o presidente executivo da Vodafone Portugal, Mário Vaz, asseverou que o negócio ocorria pelo "valor económico" da Nowo e não porque houvesse intenção de somar licenças 5G ou de reduzir a concorrência em Portugal. A 14 de dezembro, o presidente da Anacom, João Cadete de Matos, admitia vir a recomendar a imposição de condicionantes para o negócio avançar.