Vários observadores e analistas estrangeiros que seguem a economia portuguesa, como agências de rating e a Economist Intelligence Unit (EIU), estão relativamente tranquilos com os efeitos estruturais que possam advir da dissolução do Parlamento, anunciada esta semana pelo Presidente da República, e com as eleições antecipadas já marcadas para o próximo dia 30 de janeiro.
Do ponto de vista da consolidação orçamental, os especialistas dizem que se o país ficar algum tempo com o Orçamento do Estado (OE) em duodécimos -- o que vai acontecer, porque novo OE só em abril - até pode ajudar a controlar mais as contas e favorecer a compressão do défice público.
Em todo o caso, já com a governação normalizada e um OE aprovado, a dívida vai continuar a cair. Apesar do seu tamanho, um dos maiores do mundo desenvolvido (ver infografia), o endividamento vai continuar a aliviar, até por via da ação do Banco Central Europeu (BCE), que parece estar inclinado em manter os juros em zero durante 2022, deixou perceber a presidente, Christine Lagarde, numa visita a Portugal, também esta semana.
Com juros mínimos, o défice é mais fácil de financiar e o Estado fica menos dependente das idas ao mercado de obrigações.
No entanto, há um efeito negativo sobre o crescimento. Um Orçamento mais rígido na execução pode afetar o arranque e o financiamento de novos projetos e investimentos, prejudicando a absorção de fundos europeus.
De acordo com as mesmas fontes, a situação é mais arriscada no caso do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), pois a sua esmagadora maioria são subvenções (13,9 mil milhões de euros a fundo perdido) e o prazo de execução é mais curto do que o dos fundos europeus tradicionais, vai até 2026.
A Economist Intelligence Unit (EIU) é um gabinete de estudos do grupo que detém a prestigiada revista The Economist e o jornal Financial Times. Estes observadores externos tomam nota dos desenvolvimentos mais recentes em Portugal, que começaram com o chumbo do OE2022 logo na votação na generalidade.
"Portugal vai ter eleições antecipadas após a oposição ter votado contra o orçamento apresentado pelo Partido Socialista (PS) no dia 27 de outubro", refere a EIU. No entanto, "esperamos que o PS aumente a sua percentagem de votos, mas não deve conseguir uma maioria absoluta". "O Chega, da ala direita, também ganhará votos nestas eleições", espera a EIU.
Relativamente aos desafios e riscos de Portugal, a unidade de estudos da Economist considera que "as características estruturais da economia vão atrasar a retoma em 2022, nomeadamente uma dependência elevada do turismo, o espaço orçamental limitado e a baixa produtividade".
A ajudar o país, estão "as medidas políticas europeias que limitarão o risco de uma crise bancária ou de dívida soberana".
Estes economistas concedem que a dívida pública é elevada (superou os 135% do PIB em 2020, o ano da crise pandémica, e este ano ficará pelos 126%) e que isso "pesa no rating da dívida".
No entanto, "o apoio do Banco Central Europeu (BCE) mantém os custos de financiamento em níveis historicamente baixos e a prudência orçamental demonstrada pelo governo PS e as perspetivas políticas estáveis, à luz do que são os padrões do sul da Europa, apoiam a avaliação do soberano".
A agência de rating Moody's que segue Portugal releva que os dados das sondagens mais recentes "indicam que os resultados das eleições podem ser inconclusivos".
"Essa incerteza é negativa em termos da nota de crédito porque um impasse político aumenta o risco de o governo de cumprir os objetivos acordados que deve cumprir para aceder ao financiamento do plano de recuperação Next Generation EU (NGEU). O financiamento do NGEU é crucial para o crescimento económico de Portugal", alerta a Moody's.
Mas nem tudo é mau aos olhos destes analistas financeiros, que em tempos determinaram os níveis das taxas de juro cobradas à República. Atualmente isso não acontece porque o BCE está a proteger os países da zona euro de ataques especulativos e das opiniões negativas sobre o crédito público.
Por exemplo, esta agência de rating desvaloriza, em parte, o facto de não existir um OE aprovado nos próximos meses, até abril, eventualmente.
"Na ausência de um novo orçamento, o orçamento de 2021 continua em vigor. Como as medidas de apoio relacionadas com a pandemia foram em grande parte já eliminadas, este impasse orçamental não representa um risco particularmente elevado para as metas do défice", observa a equipa de Sarah Carlson.
No clube dos bons?
Aliás, a posição de todas as agências de rating tem sido favorável a Portugal. No caso da Moody's, "a atenuação dos efeitos da pandemia e a resiliência dos países emissores ao choque pandémico contribuíram para várias ações de avaliação positivas, incluindo oito atualizações de rating". Até 3 de novembro, "foram realizadas atualizações positivas em cinco soberanos europeus: Lituânia, Sérvia, Chipre, Portugal e Hungria".
Portugal também pertence a um outro grupo que se destaca pela positiva, apesar da dívida muito elevada. Parece que o país vai ser um dos mais rápidos a conseguir baixar o fardo do endividamento público para níveis pré-pandemia,
A Moody"s destaca essa eventualidade. Apenas algumas economias avançadas serão capazes de reduzir os seus fardos de dívida para níveis pré-pandémicos.
"Soberanos como França, Japão, Reino Unido e Estados Unidos continuarão a suportar pesos de dívida significativamente mais elevados face ao que suportavam na pré-pandemia.
Pelo contrário, Alemanha, Irlanda e Portugal devem recuperar mais facilmente a sua situação pré-pandémica".
O Conselho das Finanças Públicas (CFP) diz que Portugal não pode relaxar do ponto de vista orçamental, nem agora, nem nas próximas décadas, tudo por causa da dívida. O peso da dívida pública até pode cair muito (o OE2022 previa uma redução de 4,1 pontos percentuais do PIB, para 122,8% no ano que vem).
No entanto, diz o Conselho, não é tanto a dívida em si que desce, é mais o produto interno bruto (PIB) que aumenta e dilui o peso do endividamento. "É o efeito de crescimento do PIB que determina esta evolução" e "mesmo se em trajetória descendente, a dívida de 122,8% representa um valor excessivo".
"No fim de 2019, antes da pandemia, atingia 116,6% do PIB. Para além das vidas perdidas, do sofrimento das pessoas e das perdas de rendimento, também aqui [no fardo da dívida] a pandemia deixa a sua marca", diz o Conselho das Finanças Públicas.