André Pires “O ordenado em Portugal ainda não é uma coisa transparente”

O COO (Chief Operating Officer) da Multipessoal, André Pires, esteve à conversa com o DV/DN na Web Summit 2024, com o emprego, os salários e a retenção de talento como principais temas.
André Pires “O ordenado em Portugal ainda não é uma coisa transparente”
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Vamos falar sobre captação e retenção de talento em Portugal. Qual é o ponto de situação, em 2024, destas dificuldades na contratação em Portugal?
Este é um dos temas que está em cima da mesa, todos os dias, no emprego em Portugal. Como é que atraímos o melhor talento? Como é que não deixamos fugir o melhor talento? O que é estamos a fazer por isso? É um desafio. Não vai mudar no futuro. É um desafio de 2024, mas já era um desafio nos últimos anos em Portugal.

Mas vai piorar?
Eu diria que, neste momento, talvez o que estejamos a sentir é que as próprias empresas estão a retrair-se um bocadinho na contratação e isso talvez esteja a dar aqui uma perspetiva de que há mais talento disponível, na perspetiva mais qualificada, vamos chamar-lhe assim. Mas temos efetivamente um desafio em Portugal de disponibilização de talento, de talento disponível para trabalhar em funções muito específicas, muito especializadas. E isso tem a ver com um conjunto de fatores.

Tais como?
Nós viemos de anos onde muita gente passou pela pandemia e foi obrigada a reconverter-se noutras profissões. E isso, obviamente, foi um grande desafio nas profissões muito especializadas e menos qualificadas. Mas também trouxe outra realidade, que é trazer um perfil muito qualificado para Portugal, mais sénior, que, por via do novo modelo de trabalho ou dos novos modelos de trabalho, consegue estar instalado em Portugal a trabalhar noutras áreas ou em Portugal a trabalhar para outros países, noutras áreas.

Estamos a falar de um movimento incontornável e inevitável? Vamos continuar a formar jovens estudantes portugueses que vão para fora e importar de outras nacionalidades para cá?
Eu diria que não é um modelo que vá funcionar para sempre. Notou-se mais agora, nestes últimos anos, principalmente por causa desta mobilização do escritório. Mas agora também estamos a ver que está a assentar. O emprego e as formas de trabalho estão a assentar. Estamos a voltar, em grande parte, a modelos de trabalho mais ligados ao tradicional. Mas um modelo muito mais equilibrado. Essa parte acho que vai atrasar um bocadinho a perda de talento, na perspetiva em que podemos trabalhar em qualquer lado do mundo. Agora, obviamente, também temos um desafio para ficar com o melhor talento. Isso passa por termos os melhores empregos. E isso tem muito a ver com aquilo que é a nossa capacidade de atrair investimento.

Os melhores empregos também têm melhores salários, certo?
Os melhores salários vêm com os melhores investimentos. E Portugal, efetivamente, ainda continua a ser um país que está a atrair algum investimento. Continuamos nos países do top dez que trazem mais investimento internacional. E isso é bom, porque é com esse investimento e com essa capacidade de criar novos empregos mais qualificados, que também vamos reter as pessoas mais qualificadas. E, obviamente, são importantes as políticas, fiscais ou de outro tipo, que fazem com que seja interessante reter estas pessoas em Portugal e ficar com os melhores.

Claro que as empresas também têm que se profissionalizar na forma de captar e reter talento. Quais são os melhores conselhos que a Multipessoal pode dar neste aspeto?
É verdade, esse é efetivamente um desafio. Primeiro a empresa deve vender aquilo que é real, aquilo que é. Vender a verdade. Porque a pior experiência que podes fazer passar a um colaborador ou um candidato, é que aquilo que estás a oferecer não corresponde à verdade, porque depois é facilmente percetível.

Com o mercado como está ele rapidamente vai embora.
Muito rapidamente. E essa mensagem vai funcionar contra ti. Por isso, toda a parte do employer branding, partilhar aquilo que é bem feito na organização. Obviamente, todos nós procuramos em primeiro lugar o salário e depois vem tudo o resto.

Ainda é assim, salário primeiro e depois o resto?
Ainda é assim e não vai mudar.

Como é que as sucessivas subidas de salários mínimos impactam a contratação das empresas? É significativo?
Quando falamos de salário mínimo nacional – um tema que temos, de forma muito otimista, trabalhado na sua evolução – a verdade é que é bom haver esta revisão. Há uma perspetiva de o salário mínimo chegar aos 1000 euros. No próximo ano o salário mínimo será aumentado para os 870 euros. Mas há aqui também uma perspetiva de que o salário médio tem que acompanhar o crescimento do salário mínimo.

Em Portugal falamos pouco do salário médio.
É exatamente isso. Eu acho que nós temos que ter o foco muito mais no salário médio do que no salário mínimo. Exatamente por isso, porque o salário médio mostra muito mais a pressão que existe cada vez mais naquilo que é a nossa capacidade de investir e de sobreviver. Mais do que propriamente o salário mínimo.

Paga-se pouco em Portugal?
Também há aqui uma perspetiva de que depende, obviamente, da forma da contratação. (...) No ordenado de entrada, a perspetiva sempre é ainda muito portuguesa, que é consoante a experiência. O ordenado ainda não é uma coisa transparente e eu acho que essa é a primeira mudança que temos de fazer e que, quase como em todas as transformações, é cultural.

Faz parte dos segredos da boa gestão calibrar bem o salário com outras componentes de rendimento?
Claro que sim. Hoje isso é a grande discussão, especialmente quando falamos em empresas de serviços. A grande discussão é exatamente essa: a política de benefícios que está associada ao salário. E nem vou para os benefícios menos palpáveis – que são o salário emocional e tudo mais.

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