Apenas 25% das empresas de Viseu registaram perdas no início deste ano

Segundo um estudo da AIRV, no ano passado 55% das empresas da região perderam vendas, mas as restantes conseguiram até aumentar faturação e valor das exportações. O primeiro trimestre já mostrou maior resiliência e empresas perderam menos receita.
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Os reflexos da pandemia fazem-se sentir um pouco por todas as áreas de atividade embora, como se sabe, algumas sejam particularmente mais afetadas do que outras. Igualmente, diferentes regiões e diferentes empresas sentem de forma assimétrica os efeitos da crise sanitária que persiste há mais de um ano. Auscultados os empresários de Viseu, Dão e Lafões, verificou-se que o tecido empresarial deste território mostrou alguma resiliência durante o ano passado e reagiu de forma positiva já no início deste ano, período em que Portugal fechou novamente a economia com mais um confinamento obrigatório. "Os nossos empresários, sobretudo no setor industrial, souberam reagir e adaptar-se aos novos desafios. Muitos procuraram combater a crise através da procura de novos mercados e de novos clientes" refere João Cotta, presidente da Associação Empresarial da Região de Viseu (AIRV). Segundo um inquérito recentemente realizado por esta associação, e que envolveu a participação de 249 empresas locais, durante o ano passado 55% destas empresas perderam, em média, 35% da sua faturação, mas houve também muitas sociedades (as restantes 45%) que conseguiram um crescimento médio de 40% das suas vendas e que conquistaram novos clientes (51%).

"Como as empresas procuraram encontrar soluções e diversificar as suas atividades, verificamos que, no primeiro trimestre de 2021, apenas 25% reduziram vendas e que 85% das inquiridas querem manter os seus postos de trabalho", revela o mesmo responsável.
João Cotta apresentou estes dados durante a conferência Portugal que Faz, a décima terceira edição de um ciclo de debates que o Novo Banco está a realizar por todo o país, e que pretende ouvir de perto as dificuldades e as necessidades dos empresários durante e após a pandemia. António Ramalho, CEO do Novo Banco, que fez a abertura da sessão, referiu ser importante fazer esta reflexão conjunta - que no total das 13 sessões já envolveu cerca de 50 associações empresariais de norte a sul do país - porque "as medidas têm de ser ajustadas região a região, setor a setor, pois só em conjunto se conseguirá sair eficazmente desta crise". A intervenção de António Ramalho foi seguida da habitual análise regional - que neste caso engloba as zonas de Viseu, Dão e Lafões - feita por Carlos Andrade, economista-chefe do Novo Banco, que participou através das plataformas digitais.

No debate, moderado por Pedro Araújo, editor executivo adjunto do Jornal de Notícias, estiveram ainda presentes, além de António Ramalho e João Cotta, Gualter Mirandez, presidente da Associação Comercial do Distrito de Viseu (ACDV), Gil Ferraz, presidente da Associação Empresarial de Lafões (AEL) e Arlindo Cunha, presidente da Comissão Vitivinícola Regional do Dão (CVR Dão), este último interveio à distância.

Em relação à resiliência das empresas locais, João Cotta reforça ainda que se sentiu "uma vontade dos empresários em manterem os postos de trabalho e de não seguirem pela via fácil dos despedimentos". Das empresas industriais da região que responderam ao questionário da AIRV, 34% eram exportadoras e as vendas externas representavam um peso de cerca de 50% no seu volume de negócios. Segundo a análise apresentada por Carlos Andrade à audiência, a região, como tem um elevado peso da indústria transformadora, acaba por ter uma maior intensidade exportadora de bens face à média nacional.

Arlindo Cunha, que representa os vinhos do Dão, refere que o setor vitivinícola é resiliente por natureza, uma vez que é muito competitivo e internacionalizado. "Os vinhos do Dão apenas têm 6% de quota de mercado, porque esta é uma região pequena, mas é altamente internacionalizada pois grande parte do vinho é certificado. Produzimos por ano entre 20 a 35 milhões de litros, certificamos 70 a 85% deste volume, e 40 a 45% do vinho certificado é canalizado para o mercado externo", explica este responsável. Os vinhos do Dão são vendidos para cerca de 65 países em todo o mundo: 45% do volume total fica na União Europeia e os outros 55% seguem para países como o Canadá, o Brasil, os Estados Unidos, Angola e até China. "Entre 2013 e 2019 registámos um forte acréscimo - 48% -- no volume de vinhos certificados, o que foi notável. Já em 2020 houve uma redução de 5%, mas tendo em conta o ano catastrófico e com o fecho do canal Horeca (hotéis, cafés e restaurantes), verificamos que foi uma performance resi- liente", refere Arlindo Cunha. Este responsável diz ainda que existem vários problemas estruturais na região, como a estrutura fundiária e o envelhecimento da população agrícola, porque não há condições ou apoios para atrair os jovens para esta atividade.

Segundo Carlos Andrade, a região, que tem um peso de 1,8% no PIB nacional, sofre, tal como muitas outras do país, do problema do envelhecimento da população e como tal necessita cria condições para atração e fixação dos mais jovens. Gil Ferraz, da AEL, mostra-se muito crítico em relação à falta de condições de atratividade desta zona. "A região tem particularidades, não somos nem litoral nem interior, e há muitos fatores de competitividade que ainda não criámos", explica. "Temos de reinventar tudo, ter novas redes de implementação de ideias, novas cadeias de valor, mais focadas na inovação. Precisamos que os centros de investigação estabeleçam parcerias com as nossas empresas, que estejam mais perto das PME. Não precisamos de edifícios de universidades, precisamos é do conhecimento", afirma. Acrescenta ainda que não acredita nas políticas de «repor o que existia antes". Para ele "o que não podemos fazer é repor o passado, temos de ter os olhos no futuro. O mundo mudou tanto que não podemos repor, mas sim transformar. Se há uma certeza é que não vai ficar tudo como estava. Temos de estar todos preparados para a mudança". Como não acredita que a situação volte rapidamente ao que era antes da pandemia, este responsável afirma que tem de haver entreajuda entre as empresas, pequenas e grandes. "Acredito que temos de criar uma economia da solidariedade", remata.

Entre as empresas mais afetadas pela pandemia estão, como se sabe, as do comércio e do turismo. Gualter Mirandez, presidente da ACDV, refere que o comércio está parado há um ano, pois não há animação nos centros históricos nem turistas. "Este comércio local é mais resiliente do que as lojas dos grandes centros urbanos, mas não conhecemos bem ainda a dimensão do problema. Sabemos que em Lisboa por cada cinco lojas fechou uma, mas aqui só depois do verão vamos saber conseguir fazer essa análise". Explica que o comércio evita a degradação dos centros históricos e que Viseu estava a fazer um bom caminho, antes da pandemia, com a realização de vários eventos, mas que com o encerramento da economia tudo retrocedeu. "Apesar de estarmos abertos, o comércio não flui, não há pessoas. O mercado online é muito importante, mas para isso precisamos mais apoio à formação na área do digital", explica. Os grandes eventos culturais que foram interrompidos, e que dinamizam toda a região, atraem também clientes ao ramo hoteleiro e as dormidas quase duplicaram em poucos anos. "Temos condições naturais para atrair mais turistas, mas ainda não o estamos a fazer como devíamos", diz.

António Ramalho referiu, logo no início do evento, que a região, apesar da perda de população, mostra algum dinamismo, e tem ainda muito potencial para crescer, quer na área das exportações quer no turismo. "Há dinamismo no consumo interno que mostra sinais positivos. Verificamos, por exemplo, que as compras em terminal automático estão acima da média do país. A média do país está atualmente 2% acima daquilo que existia em 2018 e esta região está 20% acima deste valor", revela.
No que ao turismo diz respeito, Carlos Andrade, diz que esta região tem ainda muito potencial para crescer, sobretudo no enoturismo. Os portugueses ainda representam 82% das dormidas, tendo os espanhóis e franceses 7% do total, havendo mercado internacional a conquistar. Arlindo Cunha vê no enoturismo uma solução também para rejuvenescer o setor, pois representa outra fonte de receitas. "O enoturismo vende vinho à porta, e o produtor fica com a mais valia da cadeia de valor da intermediação e da comercialização. Viseu seguiu a estratégia de fazer marketing territorial - começamos com a Rota dos Vinhos - e não queremos perder este «comboio». Há regiões no mundo onde 15 a 20% do vinho é vendido à porta, o que é uma grande vantagem para os produtores", revela.


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