As 10 inovações que definiram a saúde na última década

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A última década assistiu a um processo de transformação tecnológica sem precedentes: a realidade virtual saltou dos videojogos para os automóveis, a Netflix reinventou o audiovisual, o MB Way revolucionou os pagamentos à distância em Portugal e os smartwatches abriram caminho para uma série de possibilidades associadas a um objeto de culto. O setor da saúde não foi exceção e neste artigo destaco 10 exemplos de como a inovação, tecnológica e não só, moldou a prestação de cuidados.

1) Uma “tesoura molecular” para alterar o ADN

Em 2012, a CRISPR-Cas9 foi apresentada como uma descoberta promissora, que permitiria ligar ou desligar genes específicos e corrigir o património genético de seres vivos. Desde então, esta técnica tem sido utilizada em tentativas para combater vírus e reverter condições hereditárias e, já em 2019, foram realizados os primeiros ensaios clínicos em seres humanos que demonstraram a sua segurança e eficácia no combate a células cancerígenas e doenças do sangue. Em julho, o sistema de edição genética foi utilizado, pela primeira vez, para editar o ADN de uma mulher com anemia falciforme, uma doença hereditária causada por uma mutação genética que dificulta a plasticidade dos glóbulos vermelhos e o transporte de oxigénio no sangue. Com muitas preocupações éticas ainda por resolver e por regular, a edição genética certamente marcou esta década.

2) A aposta dos gigantes da tecnologia na Saúde: Apple Watch, HealthKit e Amazon Alexa

Na última década, algumas gigantes tecnológicas assumiram-se como vias poderosas para promover a saúde e muniram o cidadão comum de equipamentos que permitem monitorizar indicadores relacionados com os estilos de vida. Em 2014, a Apple lançou o Health Kit, que se distinguiu das demais soluções pela capacidade de agregar dados provenientes de diferentes aplicações, e, no ano seguinte, foi a vez do Apple Watch saltar para o mercado. O wearable foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), em 2018, e a fiabilidade dos sinais registados pelo dispositivo na deteção de fibrilhação auricular foi provada num estudo publicado recentemente no New England Journal of Medicine: em 84% dos casos, os eletrocardiogramas “tradicionais” confirmaram a notificação do smartwatch. Por outro lado, a gigante do “retalho digital” Amazon lançou a Alexa, que promete ser um importante concentrador inteligente de dados que sob a pele de um assistente pessoal poderá apoiar e acompanhar doentes em determinadas doenças, prevenir eventos adversos ou, como no caso do SNS inglês, disponibilizar informação útil e verificada ao cidadão, prometendo ser uma importante aliada dos profissionais de saúde. Esta tecnologia deu ainda um passo importante no mercado dos EUA ao conseguir atingir uma importante certificação quanto à integridade e confidencialidade dos dados pessoais em saúde que são tratados.

3) A transição para sistemas de saúde baseados no valor

Partindo da premissa de que avaliar a saúde pela sua produção não permite discernir qualidade - fazer mais, não é fazer melhor - e de que a prestação de cuidados deve ser feita para que o doente atinja melhor saúde, a década que passou ficou marcada por discussões em torno da Medicina Baseada no Valor. Em causa está a capacidade de os prestadores de saúde mudarem o foco do volume e da lucratividade dos serviços prestados para os resultados alcançados pelos seus doentes. O conceito tem vindo a ser testado e a ganhar adeptos na Europa, com destaque para o Reino Unido, a Holanda ou a Bélgica. Em Portugal, também há várias experiências, tanto em hospitais públicos, como nos grupos privados, e nasceu um laboratório destinado a avaliar a relação custo-benefício das intervenções feitas.

4) Os progressos da Inteligência Artificial na Imagiologia

A inteligência artificial (IA) encontra na saúde um terreno fértil graças ao volume de dados disponíveis, nomeadamente aqueles que provêm de imagens médicas. Capaz de suportar algoritmos com níveis cada vez mais elevados de precisão, a IA tem iniciado um papel relevante no apoio a especialidades como a Radiologia, Oncologia, Neurologia ou Cardiologia. Alguns exemplos: em 2017, foi aprovado o primeiro dispositivo médico para auxiliar o diagnóstico de cancro da mama e reduziu em 39% os casos de cancro subdiagnosticados; no mesmo ano foi também aprovada a primeira solução para interpretação de ressonâncias magnéticas cardíacas baseada em IA e desenvolvido um algoritmo capaz de antecipar o diagnóstico de doença de Alzheimer em 84% dos doentes a que foi aplicado.

5) Biomarcadores digitais

O termo "biomarcador digital" refere-se a dados recolhidos através de tecnologias digitais para prever resultados relacionados com a saúde. Nos últimos anos, gadgets que permitem contar passos, monitorizar o sono ou medir níveis de oxigénio e a pressão arterial, ligados a sensores capazes de identificar características ambientais, tornaram-se participantes ativos na indústria. Além de permitirem a cada indivíduo gerir melhor a sua doença, estes dispositivos permitem também que médicos e outros profissionais acedam de forma imediata às informações, devido à conectividade que lhes é inerente. Os biomarcadores digitais podem, assim, ser usados na prática clínica para identificar riscos de ocorrência de uma doença, mediar a progressão da mesma ou monitorizar um determinado tratamento para que seja menos provável que alguns efeitos secundários apareçam.

6) O fim das receitas em papel

Até 31 de março todas as receitas, em Portugal, terão de ser eletrónicas. O processo de desmaterialização das receitas levado a cabo pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) começou em 2015 e, no ano seguinte, 97% das receitas provenientes do setor público já eram eletrónicas. Além disso, os dados do Serviço nacional de Saúde revelam que a implementação desta medida veio também conferir mais segurança ao sistema: num ano os casos de fraude diminuíram cerca de 80%. Implementado de forma gradual, em 2017 o modelo já funcionava em todo o país e, no último ano, foram enviadas, em média, mais de um milhão de mensagens com receitas por mês.

7) Generalização da oxigenação por membrana extra corporal

Oxigenar o sangue fora do corpo? Sim, é possível, através da oxigenação por membrana extra corporal, uma técnica médica que permite eliminar o dióxido de carbono e oxigenar o sangue, de forma independente do pulmão. Em adultos, a primeira aplicação bem-sucedida desta técnica, utilizada em casos de insuficiência cardíaca ou respiratória grave, foi feita há mais de 40 anos, em São Francisco. No entanto, só recentemente a sua utilização se generalizou, com a melhoria tecnológica dos dispositivos disponíveis e o acumular de evidência científica que a sustenta. Em 2017, o Centro Hospitalar Lisboa Central, o Centro Hospitalar Lisboa Norte e o Centro Hospitalar de São João, no Porto, foram reconhecidos como centros de referência para este procedimento.

8) Brain Computer Interfaces: máquinas que leem e estimulam o cérebro

Durante décadas, a ciência desenvolveu tecnologia capaz de ler a atividade cerebral, usando-a para controlar máquinas e, através de capacetes carregados de sensores tornou-se possível operar robôs. Uma startup baseada em Paris lançou, recentemente, a primeira interface que faz a comunicação cérebro-computador em tempo real. O dispositivo permite medir o foco de atenção do olhar em torno de um determinado objeto e, a partir daí, desencadear comandos digitais.

Além de descodificar a atividade cerebral, os computadores permitem também fazer o inverso, isto é, induzir estímulos no cérebro. Depois de em 2013, ter sido aprovado o primeiro dispositivo de neuroestimulação capaz de prevenir convulsões epiléticas, através da deteção de atividade anormal do cérebro e consequente resposta com estímulos elétricos, a Neuralink desenvolveu um sistema capaz de criar interface cérebro-máquina com milhares de sondas elétricas no cérebro e espera começar a testar a tecnologia em humanos ainda este ano.

9) Uma campanha mundial contra a sépsis

A Organização Mundial da Saúde estima que, a nível global, existam 30 milhões de casos anuais de infeções disseminadas no sangue associada a disfunção de órgão (sépsis) e que esta seja responsável por cerca de seis milhões de mortes por ano. Em 2005, a Sociedade Europeia de Medicina Intensiva e a sua congénere americana lançaram uma campanha mundial, Surving Sepsis Campaign, destinada otimizar a abordagem a estes doentes e, consequentemente, reduzir a mortalidade associada à doença em 25%. Ao longo dos últimos anos foram publicadas diversas diretrizes no sentido de encurtar tempo de diagnóstico da doença, bem como aproximar os profissionais de saúde das melhores práticas e os resultados dos estudos de impacto convergem para o mesmo ponto – redução da mortalidade por sépsis.

10) Impressão de órgãos em três dimensões

É uma das áreas mais promissoras da medicina regenerativa, envolve a construção de material biológico em laboratórios e a produção de órgãos humanos a partir do zero. A impressão 3D está disponível para servir as mais variadas áreas e, nos últimos 10 anos, os investigadores deram passos de gigante neste campo: uma equipa israelita imprimiu o primeiro coração humano. Outro órgão que tem merecido a atenção dos investigadores é o fígado e desde 2014 que, em Edimburgo, desenvolve-se tecido 3D para tratar casos de insuficiência hepática; já no Brasil, um grupo de investigadores anunciou, no passado mês de outubro, uma técnica que junta células estaminais e impressão 3D para produzir tecidos hepáticos a partir do sangue do próprio paciente.

Eduardo Freire Rodrigues é médico e CEO da UpHill

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