Daniel Bessa: As dúvidas que nos trazem estes novos tempos

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Sabemos ainda muito pouco sobre a pandemia. Não sabemos como evoluirá, como terminará, quais as suas consequências mais duradouras, além do seu próprio termo. Este desconhecimento é dramático pois, como em tudo na vida, precisamos de âncoras a que nos possamos agarrar e de luzes que nos permitam iniciar o caminho de saída do túnel.

Quando, em março, foi declarado o confinamento, o impacto inicial foi terrível. Um estudo então divulgado pelo Ministério das Finanças referia que, nessas condições de confinamento, a perda ascenderia a 6,5% do PIB por cada 30 dias úteis (qualquer coisa como 450 milhões de euros por dia). Se tudo continuasse desse modo, teríamos, no final de 2020, uma contração do PIB, em Portugal, da ordem dos 40%.

Sabemos como as coisas evoluíram. O ser humano adapta-se a tudo. Vivemos hoje uma segunda vaga, muito mais forte do que a primeira, mas não regressámos ao confinamento. Passámos a lidar com a pandemia com maior naturalidade. Há que sobreviver. No final de 2020, em Portugal, o PIB terá caído pouco mais de 8% - um resultado péssimo, tornado aceitável pelo medo inspirado pelo período de horror que atravessámos.

Discutiu-se, desde início, a forma da recuperação. Segundo os mais otimistas seria em V, com o PIB a recuperar à velocidade a que tinha caído. Nunca acreditei: a ser em V, seria algo parecido com o símbolo da Nike, com a perna da direita muito menos inclinada, prolongando a recuperação no tempo, ainda não sabemos quanto. Voltando a Portugal, o PIB recuperará, no máximo, 4%, em 2021, parecendo certo que não regressaremos aos níveis de 2019 antes de 2023.

Para além do espírito de sobrevivência e da adaptabilidade dos seres humanos, a desgraça tem sido mitigada pela política - pelos Estados (valendo-nos, em Portugal, a ajuda do BCE, a que acrescerá a que se encontra anunciada, gerida pela Comissão Europeia). Não houve milagre de que nos possamos orgulhar, mas houve e há solidariedade, que temos o dever de reconhecer. Convém é não abusar, não vá a solidariedade europeia, também ela, sentir-se abusada.

Convém ainda falar verdade: "Ninguém vai mentir a ninguém", prometeu Marcelo Rebelo de Sousa quando, em meados de março, declarou pela primeira vez o estado de emergência. Acontece que o cumprimento desta promessa não depende do Presidente da República. Quanto vai ser o défice do Estado em 2020? E em 2021? Bem acima do que nos anunciam, no segundo caso acima do previsto no próprio dia em que foi aprovado Orçamento do Estado, tão irreais são as bases em que assenta.

Em 2021, as minhas dúvidas maiores residem na dimensão do défice público, na extensão da paciência e da condescendência da União Europeia, e no impacto do termo das moratórias, com consequências que poderão revelar-se muito acima do esperado em matérias como desemprego, contração do PIB, solvabilidade do sistema bancário e integridade dos depósitos nesse mesmo sistema bancário.

Economista

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