A diretora executiva da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC) considera cada empresa devia procurar designar um digital champion para a transformação digital dentro das organizações. Outra das grandes apostas para 2025 é investir na capacitação de recursos humanos. Sandra Fazenda de Almeida afirma que, no caso de haver uma nova revisão do PRR, é preciso alocar dinheiro para investimento no 5G. “Não podemos esperar que sejam os parceiros privados a fazer um investimento em zonas geográficas que não tenham rentabilidade. E se Espanha conseguiu fazer essa transição, e conseguiu fazer essa alocação de investimento digital mesmo aqui ao lado, Portugal devia olhar para essa boa prática e também pensar nisso, porque isso vai nos permitir tratar o país de uma forma mais coesa, para não haver desigualdade”, afirma..A Sandra defende que a transformação digital é uma revolução que está a redefinir o mundo empresarial. Que sectores em Portugal é que estão a liderar esta mudança e que áreas enfrentam maiores desafios neste momento?.Aquilo a que tenho assistido desde que assumi a direção da APDC há mais de seis anos, que para mim foi marcante e que agora começo a notar maior diversificação, é que as empresas que mais aproveitam a transformação digital são aquelas que têm mais trabalhadores e também com mais capacidade de investimento. Porque todo o processo de introdução da tecnologia, com a devida adaptação e formação das pessoas, exige muito investimento e uma visão de longa escala. Às vezes, as empresas mais pequenas estão muito preocupadas com o dia-a-dia e não conseguem ter esta visão de longo prazo. E isso, efetivamente, acho que é o fator que tem atrasado mais o processo de transformação digital das empresas. Por isso é que, e agora fazendo um paralelismo com o que começámos a fazer na APDC há três anos, criámos o Evolve Digital Transformation Summit..É uma experiência interessante, que tem a ver com a partilha, não é?.Quando cheguei à APDC, o que me marcou foi que quando falávamos de transformação digital eram sempre os mesmos protagonistas das mesmas grandes empresas, o que é espetacular pelo efeito de liderança que fazem perante os restantes parceiros do setor. Mas acaba por também sinalizar que a transformação digital só pode ser feita por estas grandes empresas. Portanto, quando criámos este evento foi para, de alguma forma, democratizar e demonstrar que a transformação digital abrange todos os setores, todas as tipologias de empresa, e explicar estas histórias de sucesso, como é que as empresas tinham feito..Isso tem a ver com a partilha de conhecimento e boas práticas das empresas no seu processo de transformação digital....Sim, sim. Vão partilhar com outras empresas aquilo que é o seu caso de estudo. E já temos bebés Evolve, que são empresas que estavam na assistência da primeira edição e que já subiram ao palco nas edições seguintes para partilhar um estudo de caso que nasceu inspirado na primeira edição do Evolve. Isto é espetacular, é o melhor retorno que esta iniciativa pode ter. O Evolve é um modelo fechado, são 20 minutos em palco em que uma empresa cliente partilha um problema e as empresas tecnológicas partilham qual foi a solução e quais foram os resultados obtidos em conjunto, as dificuldades e o que demorou mais tempo a executar nos projetos. E isto permite que as outras empresas que estão a assistir possam fazer analogias face àquilo que estão a sentir. Permite também dar a conhecer estas boas práticas e energizá-los para a ação, ou mesmo só para iniciar a conversa..E que impacto é que começa a ter na inovação empresarial?.Está a democratizar o tema da transformação digital, permitindo que empresas mais pequenas consigam aproximar-se destas realidades e perceber que isto também pode ser adaptado à sua própria realidade, mesmo que a escala seja mais pequena. Uma das coisas a que assistimos muitas vezes é quando as empresas tecnológicas saem do palco, já têm algumas pessoas à espera para falar com elas e começam conversas assim..Esse é um dos propósitos de uma associação....É, sim. Quando dizemos que temos a missão de acelerar a transformação digital da economia e da sociedade, isto é uma das formas como conseguimos: é pormos as empresas a falarem, partilharem boas práticas, desmistificar mitos relativamente à tecnologia, ajudar no processo de transformação digital por esta via pedagógica..Retomando agora a primeira pergunta: quais os setores líderes desta mudança?.O setor das utilidades, da energia, segurador e banca, fintechs, saúde. Também começamos a ter muitos bons exemplos na indústria, o chão de fábrica. As grandes empresas que têm capacidade de investimento conseguem fazer essa liderança e começas a ter exemplos em quase todos os setores de atividade..Então as empresas com menos capacidade de investimento são aquelas que enfrentam as maiores dificuldades?.Porque são aqueles que estão preocupados com o dia-a-dia e que não têm capacidade, muitas vezes, de levantar a cabeça e olhar para o futuro e pensar e programar..Falamos de uma grande parte das nossas PME?.Sim, uma grande parte das nossas PME, que têm estruturas humanas também muito pequenas. Temos duas iniciativas de prémios da APDC – o Prémio Cidades e Territórios do Futuro e o Prémio World Summit Awards – com muitas empresas pequenas e startups a concorrer e que até têm bastante sucesso. Uma das questões mais difíceis, às vezes, é que estas empresas aproveitem os benefícios de serem vencedores. Não arranjam tempo para participar, com tudo pago, num Congresso Mundial no Chile ou no México ou na Índia, com investidores internacionais, com uma plateia mundial. Não conseguem. Estas empresas têm tão pouco tempo para se dedicar a atividades de comercialização, de dar a conhecer, de geração de notoriedade..Isso é um erro, na sua opinião?.É um constrangimento necessário. Acho que a grande dificuldade aqui, e o nosso presidente [Rogério Carapuça, da APDC] tem falado muito nisso, é que o setor empresarial de Portugal precisa de crescer, precisa de ganhar escala, e para ganhar escala e crescer precisa de fazê-lo ou através de aquisições, ou então através de investimentos nesta ótica de escala, de internacionalização, de dar a conhecer..E qual tem sido o papel do Governo?.Depende dos setores. Não vou ter aqui receita para todos os setores, mas fazendo uma analogia, por exemplo, com o Reino Unido, onde tiveram dois operadores [de telecomunicações] que foram fundidos [a Vodafose e a Three UK], incentivados pelo Governo, porque achava que o mercado estava demasiado fragmentado e que deviam ter operadores com maior escala para haver maior investimento. Portanto, às vezes o papel do Governo é o de promover que as empresas possam crescer. Aqui [em Portugal] a Nowo não pôde ser comprada pela Vodafone e foi comprada pela Digi. Isso acabam por ser uns estrangulamentos de crescimento das empresas. Se olharmos para o volume de faturação das maiores empresas europeias e das portuguesas, vemos o quanto o nosso volume de faturação é minúsculo relativamente a essas. Portanto, nós devemos ter políticas de maior ambição para deixar o nosso tecido empresarial crescer..Esse investimento passa muito também por aquilo que é upskilling, que é a requalificação, é trazer novas competências, é dar formação....O tema da educação e da formação é muito importante para que as pessoas ganhem sensibilidade e conhecimento do potencial da tecnologia, para que não fiquem assustadas e consigam antever como é que podem utilizar no seu dia-a-dia. Por isso é que temos feito o curso Aumente a sua Produtividade com a IA, que é super amplo e que procura dar exemplos de vários setores de atividade, de várias ferramentas, justamente para que as pessoas possam sonhar e perceber que isto é possível..Isto é também literacia em Inteligência Artificial..E não só, porque na verdade temos imensa tecnologia à nossa disposição, no computador mais potente que temos no nosso bolso, que é o telemóvel, e que muitas vezes não sabemos utilizar, nem tirar proveito. Se houvesse mais conhecimento sobre o potencial da tecnologia, simplificávamos imensas coisas. Às vezes, não utilizamos as ferramentas que temos à nossa disposição. Este processo de educação acelera bastante..Já que estamos a falar em inteligência artificial, existem muitos exemplos de grande impacto em setores como a saúde, com grandes empresas que já estão a desenvolver projetos muito interessantes, na área das telecomunicações, na área do retalho; que áreas emergentes é que acredita que terão maior potencial de crescimento nos próximos anos?.As que referiu vão ser as de maior aceitação pelos benefícios imediatos que nos vão trazer. Mas há áreas em que os utilizadores vão ter mais receio, como a banca e seguros, pela questão da segurança de dados, da forma como são utilizados, para que fins. Agora onde vamos sentir o maior impacto, para mim, vai ser na educação..Em que áreas deveríamos encontrar maior equilíbrio entre a regulação e aquilo que é o progresso, sendo que há sempre o risco também de estar a travar este progresso....Não vou muito nesse discurso da inovação travada pela regulação. Alinho mais no discurso de que há determinados temas e determinadas tecnologias que temos de salvaguardar os seus efeitos. A regulação é a terapia de casal que acontece a jusante, por haver muitos efeitos e muitos potenciais riscos antes de eles acontecerem. Acho que pode ser muito benéfico esta dianteira da Europa na regulação da inteligência artificial. Na regulação europeia, a sua força é a homogeneidade, é o equilíbrio, é o ser igual em todos os países. A mim o que me preocupa é quando há adaptações para a legislação que tirem esse equilíbrio e quando cada país tenta fazer uma adaptação. E em Portugal somos pródigos nisso: fazemos adaptações da legislação que tiram esse valor da consistência, da expectativa de encontrarmos a mesma legislação a operar no mercado europeu. A regulação que temos vai ser necessária e acho que é um bom bastião para o desenvolvimento..A Estratégia Digital Nacional estabelece uma meta de 80% da população que tenha competências digitais básicas até 2030. Como é que avalia a possibilidade de execução e de alcançar este objetivo, sabendo nós que há muitos obstáculos?.A Estratégia Digital Nacional é um excelente instrumento de alinhamento, é uma bússola para orientar todos os players do setor digital para os objetivos. Encaro isto como uma bússola para a ação da APDC, para a ação das nossas empresas, até para que todos possamos rumar para o mesmo objetivo. As metas que estão na Estratégia são metas que derivam da década digital, portanto são metas europeias, em que Portugal se comprometeu a alcançar. Aquilo que o Governo procurou agora operacionalizar foi o passar da mensagem; este é o nosso caminho. Temos imensas iniciativas que concorrem para a literacia digital a nível nacional, só que muitas delas ocorrem de forma desgarrada e sem se trabalhar em ecossistema..Isso porque não há prioridades definidas?.Isso porque somos pródigos em Portugal em achar que tenho uma excelente ideia, não vou ver se alguém está a desenvolver essa ideia, dar apoio àquela ideia, vou fazer eu. Nós temos esta dificuldade..Então isso é porque o Governo, quando estabelece estes planos, não ouve quem está no mercado?.Não, o que estou a dizer é que estas metas são perfeitamente concretizadas justamente porque, estabelecendo esta bússola, conseguimos envolver todas as entidades, todas as pessoas para estes objetivos. Nós, por exemplo, também não estivemos à espera de haver uma Estratégia Nacional Digital para avançar com o Programa Impulso IA, porque o que sentimos nas nossas empresas foi: a tecnologia já existe, aquilo que vai distinguir Portugal dos outros países é a capacidade de acelerar na adoção da tecnologia, mas só vamos acelerar na adoção da tecnologia, se as pessoas perceberem qual o potencial e perceberem o quanto ela já está acessível a todos..E que impacto é que tem o programa Upskill, como é que vocês conseguem medir esse sucesso?.O sucesso mede-se pela empregabilidade e pela taxa de retenção dos profissionais convertidos no setor. No final de 2019, antes da pandemia, abordámos o Governo na altura, conseguimos juntar três tutelas – da Economia e da Digitalização, do Emprego e Formação Profissional e do Ensino Superior – e apresentámos a nossa ideia, que é, as empresas comprometem-se em recrutar as pessoas desde que possam indicar em que zona elas são precisas e com que conhecimento tecnológico e nós comprometemo-nos a formá-las. E o Governo disse: nós comprometemo-nos a pagar uma bolsa de formação para que as pessoas se possam dedicação a 100% neste processo de reconversão de carreira, desde que as vossas empresas se comprometam com o salário a partir dos 1200 euros, que atualmente está nos 1300, e que se comprometam a contratar no mínimo 80% dos recursos que solicitam. E este foi o nosso compromisso..E vocês estão nos 80%?.Estamos acima dos 80%, depende das edições. Então, o que é que nós temos estado a sentir? Atualmente, o programa teve um volume de crescimento. Em 2020, 21, mesmo com a pandemia, tivemos aí à volta, já não me lembro se foram 400 ou 500 alunos, depois chegámos até 900. Agora, na quarta edição tivemos 200 e poucos..Por que é que diminuiu?.As empresas não estão a precisar de tantos recursos qualificados reconvertidos. Há mais recursos disponíveis no mercado. Porque houve uma recessão, as empresas americanas deixaram de contratar, libertaram muito mais recursos, e o nosso mercado começa a ter acesso, não está com tanta necessidade de recursos de reskilling, de requalificação. Estamos agora a lançar a quinta edição, estamos a consultar as empresas..E porque não juntam a administração pública?.Também temos. A administração pública tem uma dificuldade: não se consegue comprometer com 80% de contratação, nem com o salário dos regimes de contratação. Mesmo assim, não sei se foi desde a primeira ou da segunda edição, temos a eSPap [Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública]..Só para os nossos leitores entenderem o que é que é o programa Upskill..É um programa de requalificação profissional para a área das tecnologias de informação, disponível para qualquer pessoa, de qualquer nível de ensino e de qualquer área formativa. Temos desde músicos, médicos, enfermeiras. Temos uma ninja da programação que é enfermeira. Temos advogados que são também mega-especialistas em cibersegurança, porque depois há experiências profissionais passadas, que isso é lindo no programa, as pessoas acham que não têm valor para uma nova carreira na área de tecnologia, e é supervalorizado na tecnologia. Uma empresa que trabalha em cibersegurança vai adorar ter pessoas com conhecimentos de Direito. Uma pessoa que trabalhe numa integradora de desenvolvimento de projetos tecnológicos em vários setores de atividade vai adorar ter alguém que tenha trabalhado na banca, ou nos seguros, ou no comércio. Portanto, tudo isso são vantagens competitivas também..Como é que estes projetos conseguem mitigar as desigualdades tecnológicas entre regiões e populações em Portugal?.Aqui ainda não estamos a cumprir o papel que gostaria que a APDC tivesse, com uma ação muito mais nacional. Sinto que a nossa atividade está muito concentrada em Lisboa. No final de janeiro de 2025, vamos fazer o nosso primeiro Evolve no Porto. Estou bastante satisfeita, porque significa que vamos ter casos de transformação digital do Norte, para contagiar as empresas do Norte. E outra iniciativa que também me deixa bastante orgulhosa, O Impulso IA, onde procuramos percorrer o país de Bragança a Faro, com sessões de Inteligência Artificial para 100, 150 pessoas, abertas a qualquer pessoa que se queira inscrever..Olhando para o próximo ano, que ações práticas é que Portugal deve priorizar para acelerar a transformação digital e melhorar a competitividade global?.Cada empresa devia procurar designar um Digital Champion, uma pessoa que tivesse uma visão de helicóptero sobre o negócio da empresa, mas que pudesse explorar o potencial das tecnologias. Que pudesse participar em alguns eventos tecnológicos, que pudesse participar em algumas ações de formação, para contagiar por dentro. Sei que é uma coisa ambiciosa, porque os recursos são sempre escassos, mas acho que da mesma forma que falamos da inclusão, da sustentabilidade, também temos de ter um champion para a transformação digital dentro das organizações. Um segundo tema seria: no caso de haver uma nova revisão do PRR, é alocar dinheiro para investimento no 5G. Não podemos esperar que sejam os parceiros privados a fazer um investimento em zonas geográficas que não tenham rentabilidade. E se Espanha conseguiu fazer essa transição, e conseguiu fazer essa alocação de investimento digital mesmo aqui ao lado, Portugal devia olhar para essa boa prática e também pensar nisso, porque isso vai nos permitir tratar o país de uma forma mais coesa, para não haver desigualdades. E o terceiro tema pode ser ao nível de capacitação..Que posicionamento as startups devem ter na transformação digital e depois naquilo que são as práticas partilhadas?.O país ganha imenso com o desenvolvimento de todo este ecossistema mais propício às startups, com a Web Summit e não só, agora com a quantidade de hubs que se criaram, hubs especializados para que fomentem um conhecimento especializado naquela área e criem sinergias para o desenvolvimento. Isso também é benéfico para criarem a tal lógica de ecossistema setorial em determinadas tecnologias ou em determinadas áreas de atividade. Acho que há um trabalho que começámos a fazer e deixámos de fazer porque sentimos que também já não era tão necessária a ação da APDC que era fazer a ligação entre os incumbentes e as startups. Porque agora os próprios incumbentes de cada setor de atividade também já fazem o seu esforço de aproximação ao seu ecossistema de startups e de novidades.