A Meta de Mark Zuckerberg embarcou numa jornada de reinvenção nos últimos meses, com uma mudança de foco no metaverso em que investira tanto sem resultados palpáveis. Também poliu a sua reputação nas redes sociais por comparação ao desastre que está a estraçalhar o Twitter, lançando a alternativa válida da Threads. E está a mergulhar de cabeça na IA generativa, não apenas com o grande modelo de linguagem Llama 2 mas também com outros produtos - Emu, modelo para a geração de imagens, Meta AI e Meta AI Studio.
Estes lançamentos foram feitos durante o evento anual Meta Connect, que decorreu na semana passada em Menlo Park. Foi aí que Mark Zuckerberg introduziu aquele que diz ser o primeiro dispositivo de realidade mista virado para o grande consumo, Meta Quest 3. É uma versão dos óculos que alterna entre a realidade virtual (VR) e a realidade aumentada (AR) de forma imperceptível, adicionando muitas características do Quest Pro com um preço mais acessível ao consumidor - 499 dólares antes de impostos, mais em euros quando chegar a 10 de Outubro.
Olhando para o que Zuckerberg apresentou, foi impossível não tecer comparações com o Vision Pro, o dispositivo de realidade virtual e aumentada que a Apple revelou em Junho e se prepara para lançar comercialmente no início de 2024. Só que o gadget da Apple tem um preço proibitivo para o consumidor: 3.499 dólares. Nesta fase inicial, os óculos da Apple não serão um produto de massas, sendo que a IDC antecipa vendas na ordem das 200 a 300 mil unidades no primeiro ano.
Mas os dois dispositivos estão a apontar na mesma direcção. O propósito é realizar, por fim, os sonhos de realidade virtual e aumentada que teimaram em fugir de uma indústria desiludida.
Com todas as melhorias na resolução, latência e disponibilidade de conteúdos, a verdade é que a VR e AR não têm um apelo de massas. Há uma baixa aceitação para o seu uso em situações sociais (vide a demonização dos Google Glass) e o seu uso prolongado é desconfortável. Além de ser, francamente, indesejável. Numa era em que está toda a gente agarrada ao smartphone e a distribuir "gostos" nas redes sociais em vez de socializar ao vivo, queremos mesmo colocar uns óculos de mergulho em esteróides na cara?
A ilusão da indústria é que pode haver um mercado constante para aplicações de VR e AR e a verdade é que, até ver, isso provou não ser verdade. Os melhores e mais valiosos usos destas tecnologias são em áreas como indústria, medicina, educação e manutenção. São ambientes diferentes, profissionais, em que a chave é a qualidade da execução.
No consumo, por outro lado, o entretenimento e videojogos têm apelo limitado. Toda a gente tem já um excelente dispositivo de realidade aumentada no bolso - o seu smartphone. Está por ver se surgirão casos de utilização que mudem isto no mercado de consumo. Durante muito tempo, ouvi analistas dizer que o mercado só abriria quando a Apple entrasse e repetisse o efeito de massificação que teve noutros segmentos (leitores de música, tablets, smartphones). O Vision Pro, pelo preço e design, ainda não é isso.
Mas uns óculos como os novos Ray-Ban Meta talvez se aproximem. São inteligentes, têm duas câmaras de 12 megapíxeis em cada lente e ligam uma luz LED para avisar os outros quando estamos a gravar. Quem usar pode transmitir ao vivo o que está a ver, o que é feito à medida para influenciadores digitais. O preço, que começa nos 299 dólares, ainda é elevado para as limitações do que faz. Quando adicionar a tradução automática de texto, em breve, tornar-se-á mais apelativo. Até porque ao nível de visual é precisamente isto que uns óculos inteligentes devem ser: discretos, bonitos e fáceis de pôr e tirar.
Os Ray-Ban são uma adição interessante ao hardware da Meta, apesar de não se prever que vão vender milhões. Os Quest 3 com certeza têm capacidade para vender mais. Felizmente, Mark Zuckerberg deixou-se de grandes visões do metaverso e trouxe as coisas um pouco mais para a Terra. Isso ficou claro com o anúncio do Meta Quest for Business, que vai chegar este mês e prova que a Meta sabe, como a Apple, onde está o núcleo desta indústria: nas utilizações profissionais.
A esperança é de que isto mude no futuro. Ainda não vai ser agora.