As lições do MySpace

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Estamos em 2007 e George W. Bush é presidente dos Estados Unidos. A Apple prepara-se para revolucionar o mercado com o primeiro iPhone. Steve Jobs está vivo. O MySpace é a maior rede social do mundo e atinge uma valorização de 12 mil milhões de dólares. No pico da popularidade, com 200 milhões de utilizadores, torna-se no site mais visitado dos Estados Unidos.

A popularidade do MySpace foi quase meteórica. Apareceu em 2003, criado por uma empresa que pretendia competir com o Friendster e agregar utilizadores numa rede para efeitos de marketing. Bastante popular entre músicos, dava um acesso directo a artistas e ao mesmo tempo tentava vender produtos aos utilizadores, com publicidade muito visível. Houve uma campanha da cantora Hilary Duff que oferecia o download de três das suas canções numa página de promoção ao desodorizante Secret Sparkle. Os REM publicaram um álbum inteiro na sua página de MySpace. Em 2006, a rede assinou um contrato de 900 milhões de dólares para dar exclusividade à Google na venda de espaço para anúncios. Estava no auge.

A rapidez da ascensão emulou, como sabemos, o ritmo da sua queda. Pouco depois de chegar ao topo, a rede social, entretanto adquirida pela News Corp., percebeu que a marca rival Facebook estava a ter um crescimento tão explosivo que não demoraria muito a apanhá-la. Isso aconteceu entre Maio e Junho de 2008. O MySpace continuava bastante popular, mas enquanto o Facebook estava focado na aquisição de utilizadores interessados em espelhar as suas relações interpessoais online, a rede tentava ir a todas as frentes, distribuindo contratos a torto e a direito e com verticais que iam de celebridades, música e moda a desporto e livros.

Pior, estavam a tornar-se visíveis os problemas que conhecemos com a massificação da internet e das redes sociais: não só o catfishing e outros efeitos secundários do anonimato, mas crimes e eventos devastadores - pedófilos a rondarem adolescentes, bullying, suicídios directamente ligados a dramas na rede.

Quando o Facebook ultrapassou o MySpace em número de utilizadores, o declínio foi veloz: um par de anos depois, o êxodo de utilizadores tornou-se catastrófico. Nem Justin Timberlake, que comprou o site em 2011, conseguiu fazer alguma coisa dos destroços. O MySpace passou a ser um destino online de nicho, do qual pouca gente se lembrava. Perdido no buraco negro da memória curta da internet e das gerações que vieram a seguir aos Millennials. Em 2019, o site perdeu os seus arquivos, limpando 12 anos de história. E querem saber? Continua a existir hoje em dia, o que pode ser uma surpresa para muitos. Quem quiser criar uma conta pode usar as suas credenciais do Facebook ou do Twitter para o fazer, ironicamente.

A ascensão e queda do MySpace dá-nos indicadores interessantes para reflectir na rapidez com que uma empresa que parece grande demais para falhar pode reduzir-se à insignificância. Mark Zuckerberg, o brilhante criador do Facebook, certamente tirou notas pelo caminho, para garantir que nenhum concorrente lhe fazia o que ele fez ao MySpace. A compra do Instagram, WhatsApp e outras startups sociais mais pequenas fez parte dessa estratégia. E a verdade é que Zuckerberg domina a esfera das redes sociais há quase 14 anos. A empresa em si já vai em 18. Com todos os escândalos que ameaçaram a empresa ao longo do tempo, é um feito notável.

Por isso mesmo, a mais recente apresentação de resultados da Meta foi surpreendente. Não só revelou o primeiro declínio de utilizadores diários da história do Facebook (menos 500 mil utilizadores no último trimestre de 2021), como Mark Zuckerberg referiu, em termos que não deixaram dúvidas, a ameaça crescente do TikTok.

A rede social chinesa está a crescer de forma tão explosiva que coloca um risco sério às propriedades da Meta, em particular ao Facebook. Ainda para mais porque é muito popular nas camadas de utilizadores jovens, precisamente aquelas em que a Meta quer agora focar-se.

Não é por acaso que o império de Zuckerberg esteja a fazer um investimento tão agressivo para tentar chegar primeiro ao que ele acha que será o futuro - o metaverso. Esta apresentação de resultados mostrou que a Meta perdeu a soma exorbitante de 10 mil milhões de dólares em 2021 com os investimentos no metaverso e realidade virtual, que estão concentrados na divisão Reality Labs.

Ou seja: o risco é mais sério do que nunca. O TikTok pode ser para o Facebook o que o Facebook foi para o MySpace. Se além disso o metaverso não for um sucesso triunfante - lembremo-nos do "hype" meio falhado dos óculos de realidade virtual - o Facebook fica sem caminho de crescimento. Juntando as dificuldades que a empresa está a sofrer por causa das novas restrições de privacidade, o que não lhe permite vender publicidade de forma tão eficaz, há aqui um problema sério para Menlo Park. E a juntar a isso está a guerra com os reguladores e a ameaça dos legisladores de partir a empresa em bocados.

Mesmo que não se anteveja uma queda tão espectacular como a do MySpace, o caminho parece agora mais tortuoso que nunca. De tantas vezes que se vaticinou erradamente a queda do Facebook, esta parece ser realmente possível.

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