As nacionalidades das nossas crianças

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"Até ao final de julho, as escolas públicas já contavam com mais de 30 mil novas inscrições de crianças de nacionalidade estrangeira para o pré-escolar e 1.º ciclo, representando 16% do total de matrículas nestes ciclos de ensino", diz o Expresso. A maioria tem como língua materna o português, sendo que existem cerca de 140 nacionalidades representadas nas nossas escolas. Grande parte da Índia ou do Nepal e outras de países como o Uganda ou a Mongólia.

Imaginem uma professora com uma turma de 25 alunos que tem de os ensinar a ler e a escrever, a conhecer os escritores ou a interpretar poemas. A explicar geografia e a nossa História. Isto a crianças que não cresceram a falar o mesmo português com que se escrevem esses livros ou a não falar português sequer. Essa professora não aprendeu na faculdade a lecionar em escolas assim, com crianças que não a entendem, com culturas diferentes, outra alimentação, hábitos desconhecidos. Deve ser complicado explicar a uma criança que chegou da Índia - e a ela entender - as tradições das várias regiões de Portugal, a Reconquista ou o significado dos feriados. Também as reuniões com os pais e a sua participação na escola são certamente um desafio. Como é que tudo isto se faz?

De várias formas. Lemos reportagens nos jornais e os casos em que se implementam estratégias são inúmeros. Salientam-se nesses relatos a riqueza da interculturalidade, destaca-se a forma como as comunidades educativas se adaptaram com tutorias, criatividade, adaptação de programas, apoio extracurricular e revela-se como as crianças aprendem e se adaptam entre elas com uma harmonia que merece um doutoramento.

Mas há quem estranhe. Se há uns anos o país se queixava da quebra de natalidade e de como isso iria esvaziar as escolas, hoje há quem se queixe de que as escolas foram inundadas de estrangeiros. E queixam-se porque as crianças são estrangeiras. Mais de nove séculos de História cheia de estrangeiros que entraram e por aqui ficaram, de fluxos de imigração e emigração que hoje ainda nos caracterizam como um povo hospitaleiro, de um povo feito de outros povos, para chegarmos aqui: a olhar com desconfiança para quem entra e derrotados por quem sai.

Estes números - 16 % do total de alunos inscritos no pré-escolar e no 1.º Ciclo são estrangeiros - assustam muita gente. O primeiro reflexo e raciocínio primário diz que, existindo vagas insuficientes, estes 16% deviam ser para as famílias portuguesas. Só os excessos é que se partilha, parece dizer o nosso povo cristão. Aconteceu o mesmo na Europa inteira, onde hoje temos alemães de origem turca ou ingleses de origem indiana - que são mesmo alemães e ingleses e não imigrantes de um degrau abaixo. E a Europa sempre foi esquisitas nestas coisas. Mas Portugal nunca foi como o resto da Europa. Por aqui, encolhidos no canto, sempre soubemos que só indo e recebendo crescíamos, que por aqui ninguém passava apenas ficava e que a cultura do outro lado do mundo teríamos de ser nós a ir procurar ou apodrecíamos ignorantes no nosso fim de mundo. E assim foi. Nove séculos disto.

As crianças estrangeiras nas nossas escolas são o que nos salva de escolas fechadas e atenua o envelhecimento constrangedor da nossa população. Esperemos que cresçam por cá e revigorem a tão badalada alma portuguesa. Bem hajam os professores e educadores que as acolhem. E que nos ensinam a todos. Afinal, precisamos de mais escolas.

Inês Teotónio Pereira, jurista

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