Quando as primeiras fintech surgiram no mercado, revolucionando o setor financeiro, pensou-se que a banca tradicional, tal como era, teria os dias contados. Contudo, a ideia fatalista de que os bancos não mudam e que poderão deixar de existir está hoje ultrapassada.
Os bancos não vão desaparecer, nem serão substituídos (em todas as suas dimensões) pelas fintech. São, ao invés, duas faces da mesma moeda, duas realidades que se complementam. A banca tradicional precisa da agilidade e da inovação gerada pelas fintech para continuar a crescer. E as fintech precisam da banca tradicional para "escoarem" os seus produtos e serviços.
Esta ideia de colaboração reveste-se de especial importância no contexto atual de incerteza em que vivemos, mas sobretudo devido aos desafios que se perfilam no horizonte, tanto para a banca tradicional como para as fintech.
Do lado dos bancos há uma crescente pressão para as instituições se tornarem mais ágeis, com estruturas mais leves e com maior capacidade para oferecer soluções mais rápidas, cómodas, digitais e inovadoras.
Já do lado das fintech, depois de um clima de euforia e de avaliações exuberantes, assistimos agora a um movimento mais cauteloso: são várias as empresas tecnológicas que estão a "arrepiar" caminho, a cortar metas de crescimento, a rever planos de investimento ou a despedir colaboradores. Ainda há poucas semanas, a sueca Klarna divulgou a sua decisão de despedir 10% dos seus funcionários - isto depois de no início de maio ter anunciado a abertura de um hub em Lisboa. Também a fintech Bolt anunciou despedimentos e o mesmo aconteceu com a Coinbase.
Os tempos que vivemos são, assim, desafiantes para todos os players. Mas creio que o futuro do setor financeiro passará pelo estabelecimento de parcerias estratégicas entre bancos e fintech, com vista ao desenvolvimento de soluções concretas que permitam atender e resolver necessidades específicas dos clientes da banca tradicional.
Existem três áreas-chave onde as empresas tecnológicas financeiras são particularmente decisivas para potenciar a atividade da banca tradicional.
Em primeiro lugar, na área das operações que estão relacionadas com a identificação e autenticação dos clientes, com os procedimentos Know Your Customer (KYC) ou com os processos de abertura de conta - uma vez que há uma crescente exigência para tornar estes mecanismos mais ágeis e seguros.
Uma segunda dimensão de atuação onde a inovação trazida pelas fintech tem sido muito visível é a dos sistemas de pagamentos, através da disponibilização de novas soluções. As fintech têm uma agilidade e uma especialização únicas na compreensão das pretensões dos clientes nesta área e na conceção e implementação de forma rápida e eficaz de soluções que correspondem a essas pretensões.
Por último, há ainda que salientar o papel importante das fintech para fazer chegar o crédito - um dos grandes pilares do negócio da banca - a mais empresas e mais particulares. O aparecimento de soluções como o "buy now, pay later" ou o crédito online são um reflexo desta mesma tendência.
Mas não poderiam os bancos fazer este caminho sozinhos? Creio que não. A dispersão e amplitude do negócio bancário e as estruturas pesadas associadas constituem um handicap que não permite à banca, sozinha, dar resposta hoje às pretensões que os seus clientes não querem ver respondidas amanhã.
É precisamente neste ponto que as fintech funcionam como um motor de desenvolvimento para o setor financeiro. O mercado muda e elas reagem rapidamente, adaptando os seus produtos e serviços à nova realidade e às novas necessidades dos consumidores.
É, contudo, necessário saber separar "o trigo do joio". Temos assistido a um boom de empresas financeiras tecnológicas em todo o mundo, muitas delas atingindo avaliações de mercado impressionantes, por vezes apoiadas apenas numa promessa de ganhos futuros, sem resultados concretos à vista e sem um modelo de negócio sólido. Aqui chegados, coloca-se uma questão: quais as fintech que poderão efetivamente contribuir para a melhoria da operação dos bancos?
Um dos pontos críticos para o sucesso de uma empresa financeira tecnológica assenta - além do desenvolvimento de produtos ou serviços diferenciadores - no equilíbrio entre aquilo que é o ADN de uma startup (inovação, disrupção e agilidade) e a estrutura de uma empresa clássica (composta por uma management team, por departamentos de IT, compliance, recursos humanos, etc). A robustez organizativa das fintech permite assegurar a continuidade das soluções disponibilizadas: os clientes querem soluções inovadoras, é certo, mas precisam que lhes seja assegurada também a continuidade e a atualização permanente.
As fintech são parceiros válidos quando conseguem combinar as duas dimensões: a inovação com a organização. E são estas as empresas mais procuradas pelos bancos na hora de fechar uma parceria.
Sebastião Lancastre, CEO da easypay