As eleições norte americanas trazem um conjunto de alterações as tradicionais regras de funcionamento da economia e do comercio internacional. Sabemos bem, que muitas vezes, comércio e narrativa política operam de forma diferente. Mas na verdade, o aviso estava feito desde há muito tempo, e parece que desta feita o protecionismo veio para ficar e deverá ter um impacto relevante na forma como o mundo se vai relacionar na próxima década. A verdade é que os Estados Unidos irão influenciar a agenda no comércio internacional, e todos os grandes blocos irão necessitar de se adaptar, e serão desafiados a adaptar estratégias às novas regras do jogo, que os Estados Unidos tentarão impor sob uma segunda administração Trump. É certo, será mais difícil identificar vencedores nessas arenas, mas haverá, por certo, os que mais capacidade terão de se adaptar, e os que maior complexidade vão encontrar neste novo sistema económico, para continuarem a ser competitivos e serem economicamente e socialmente sustentáveis.
A principal cortina de ferro comercial é com a China, e pode acelerar nos próximos anos. O gigante asiático tem pela frente um caminho instável e imprevisível, numa altura em que ainda luta retornar aos níveis de crescimento pré-pandemia. Durante o primeiro mandato de Trump, os produtos chineses enfrentaram tarifas que chegaram a atingir a 25%, mas novos patamares podem ser atingidos. Um quadro de tarifas que ascendam a 60% sobre as importações chinesas, combinadas juntamente com mais controlo sobre tecnologia, tem potencial para reduzir de forma muito significativa o comércio entre as duas grandes potências económicas mundiais.
Numa segunda frente, México e Canadá deverão ser muito influenciados pelas novas regras do jogo. Afinal, poucas nações estão tão intimamente ligadas aos EUA quanto o Canadá e o México, com cadeias de fornecimentos profundamente integrados e fluxos de comércio continental excedendo um bilião de biliões de dólares anualmente. A promessa de novas tarifas universais de 10% levanta preocupações naturais em todo este ecossistema. O Canadá exporta 75% de seus produtos para os EUA, com energia, automóveis e outras indústrias de manufatura pesada entre os principais produtos de exportação. O governo Trump pode significar problemas ainda maiores para o México. O presidente eleito alertou para implementar “quaisquer tarifas que forem necessárias - 100%, 200%, 1000%” para impedir importações de carros chineses via México e uma tarifa geral de 25% sobre todos os produtos mexicanos devido ao fluxo de migrantes pelo país.
Por fim, sem dúvida que o continente europeu será também um dos mais vulneráveis à agenda da nova presidência, devido aos estreitos vínculos comerciais e de segurança nacional com os Estados Unidos. À cabeça das preocupações estarão as tarifas, já que a nova administração pretende fechar o deficit comercial atual, de cerca de 155 mil milhões de euros com a zona do euro, e que em campanha assentava numa proposta de aplicação de um imposto de entre 10% a 20% sobre todas as importações. Reino Unido, Alemanha, Itália e Irlanda estão entre os mais vulneráveis devido aos elevados volumes de exportação para a América. O setor automóvel, que já se encontra em dificuldades na Europa, está no topo desta lista. O deficit comercial não é o único elefante na sala. As nações europeias sofrerão pressão crescente para se desvincular da China, e para que se cumpram as metas de gastos com defesa exigidas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), sob pena de retirada de tropas e armas dos EUA do espaço Europeu.
De acordo com números de alguns observadores como banco Goldman Sachs, as novas regras podem ter um impacto negativo de 1,1% no produto interno bruto (PIB) real em todo o continente europeu, o que deixa a olho nu que o eixo transatlântico perdeu de forma significativa a relevância que teve nas últimas décadas - e isso é sem dúvida uma mudança estrutural geopolítica no novo modelo de jogo global, ao qual a União Europeia, terá que encontrar forma rápida de se adaptar.