Os ataques dos rebeldes Huthis a navios no Mar Vermelho e no Golfo de Aden, que dá acesso ao canal de Suez, assegurando a ligação marítima mais curta da Ásia à Europa, estão a causar graves prejuízos à indústria europeia e Portugal não é exceção. A obrigatoriedade de recorrer a rotas mais longas, pelo Cabo da Boa Esperança, traduz-se em atrasos nas entregas, mas também em aumentos de custos, com combustíveis e não só. Os transitários falam já em fretes a custar cinco vezes mais, “mas ainda longe da loucura” dos valores da pandemia. A indústria automóvel alerta para o “efeito dominó” e lamenta que a reindustrialização do espaço europeu esteja atrasado e “fora das preocupações dos decisores políticos” nacionais..Segundo o Pentágono, desde 19 de novembro, os rebeldes Huthis, que controlam parte do Iémen, desencadearam 35 ataques contra navios no Mar Vermelho e no Golfo de Aden. A incerteza da situação tem levado à procura de soluções alternativas e fazer chegar as mercadorias do ponto A ao ponto B, da forma mais rápida e mais eficiente possível, é o trabalho diário de um transitário, mais difícil nos tempos que correm. A APAT, a Associação dos Transitários de Portugal, aconselha os associados a trabalhar na logística preventiva. .“Há que ter sempre um plano B”, diz o presidente, António Nabo Martins. No caso específico das tensões no Mar Vermelho, a APAT explica que a ligação, por navio, da Ásia à Europa, que demorava 30 a 40 dias, está agora a levar 60 dias. Quanto aos preços, Nabo Martins diz que “há mais uma série de taxas que começam a ser aplicadas, o que faz disparar os fretes, que, há pouco tempo, estavam abaixo dos mil dólares por contentor e agora já estão, em alguns casos, acima dos cinco mil dólares”. Mesmo assim, ainda longe dos 20 mil dólares a que chegaram a custar, na pandemia, mas lembro que, nessa altura, além da falta de navios, havia o problemas dos portos encerrados..A questão, agora, é que, se a situação se prolongar no tempo, a volta maior, pelo cabo da Boa Esperança, vai acabar por originar falta de navios, o que se traduzirá, mais tarde ou mais cedo, em falta de contentores e de matérias-primas. Aliás, há já fábrica na Europa, designadamente da indústria automóvel, a anunciar paragens por falta de componentes. É o preço a pagar por se ter feito da Ásia 'a fábrica do mundo'. “Fala-se muito em nearshoring e em produzir mais perto do consumidor, mas nem em 20 anos conseguiremos trazer toda essa indústria outra vez”, diz Nabo Martins..Para a Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel , esta situação vem precisamente mostrar que é preciso “andar mais depressa” na política de reindustrialização, porque “toda a Europa está dependente das matérias-primas que são produzidas na Ásia”. .No imediato, as tensões no Mar Vermelho vão “condicionar a competitividade da Europa”, diz o presidente da AFIA, que considera que, no caso português, é “crucial” que se construam políticas que ajudem a “captar investimento que esteja em linha com o processo de reindustrialização”. José Couto assume que as paragens ou o abrandamento produtivo dos fabricantes “têm um efeito contagiante” na cadeia. E dado que, praticamente todos os automóveis produzidos na Europa têm uma componente fabricada em Portugal, “uma paragem ou abrandamento tem implicações sérias”..Também o têxtil recebe quase todas as suas matérias-primas da Ásia, designadamente os fios de poliéster, corantes e outros químicos, mas não há risco de paragem das fábricas. A preocupação é com o aumento de custos, numa altura em que o setor se debate com a quebra de vendas devido à subida da inflação e a retração dos consumidores. “Há produto, está é a chegar mais atrasado e mais caro, e não há hipótese nenhhuma de se repercutir esses aumentos no preço final”, diz Mário Jorge Machado, da ATP. .A Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição lembra que a situação se traduziu não apenas no “triplicar de custos e duplicar de prazos de entrega”, mas igualmente "num aumento dos seguros de transporte, que é uma componente muito elevada no custo do transporte e que automaticamente subiu por via do risco associado à passagem no Mar Vermelho e noutras rotas que são maiores”..Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, aponta para “tempos difíceis” para empresas e consumidores, já que, da Ásia, vêm poucos produtos alimentares, basicamente peixe congelado e salmão, mas é desta geografia que vem tudo o que são componentes e alguns artigos de eletrónica de consumo, material informático, mas também algum têxtil, e, a manter-se a situação, “mais tarde ou mais cedo vai ter consequências em toda a cadeia de valor”. .Também o agroalimentar está preocupado. Jorge Henriques, presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA), admite que “a situação no Mar Vermelho pode vir a afetar os preços, muito por influência dos preços dos combustíveis e das matérias-primas, a nível mundial, com repercussões na produção de bens alimentares”, admitindo que “pode vir a afetar os custos” nas fábricas. Por esse motivo, assume que acompanham o que se está a passar “com muita preocupação”. .Já o presidente da Associação Portuguesa de Portos, reconhece que o aumento dos custos associados a estas viagens mais longas, pela rota do Cabo, “tem potencial para ser transferido para o custo dos bens, o que poderá impactar negativamente a economia”. João Pedro Neves destaca, ainda, os efeitos no ambiente. “A necessidade de manter a frequência e a regularidade da cadeia de abastecimento leva ao uso de mais navios, aumentando as emissões de dióxido de carbono. Este aumento das emissões, somado ao impacto ambiental da escolha da rota mais longa, é uma preocupação séria que temos de enfrentar”, diz. Considera, por isso, que “é fundamental que as autoridades e os stakeholders estejam atentos aos desenvolvimentos e tomem medidas adequadas para mitigar os impactos negativos na atividade portuária e na economia como um todo”, sem, no entanto, as precisar..“Sem grandes queixas” está a metalurgia e metalomecânica, que tem na Europa os seus principais mercados de destino. Da Ásia compra componentes e matérias-primas, como o aço, mas Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP, assume que a situação no Mar Vermelho “não tem sido, ainda, um problema muito grave para o setor”.