“Aumento do salário mínimo vai afetar a competitividade”

Nuno de Sousa Pereira é um economista moderadamente otimista relativamente a 2018 e anos seguintes. Em entrevista ao Dinheiro Vivo, explica o motivo.
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É professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto e diretor do Centro de Economia e Finanças da mesma instituição. Possui um doutoramento em Microeconomia pela Universidade da Pensilvânia. Foi diretor da Porto Business School e representou Portugal no Banco Europeu de Investimento, na Comissão Europeia, no Banco Mundial e nos bancos de desenvolvimento interamericano, africano e asiático.

Encontra-se do lado dos otimistas ou dos pessimistas? O ano de 2017 foi excecional, nomeadamente em termos de controlo do défice. Mas temos razões para estar otimistas relativamente a 2018?

Penso que temos razões para estar otimistas. Naquilo que é a dinâmica da economia a nível nacional e internacional e também no que diz respeito à própria gestão das finanças publicas, os sinais são globalmente muito positivos. Tenho mais preocupações naquilo que diz respeito ao cenário de médio e longo prazo. E, em particular, naquilo que diz respeito à própria dinâmica de crescimento da economia. Se nós avaliarmos como tem alterado o produto interno bruto (PIB) potencial da economia portuguesa, pouco ou nada aumentou relativamente àquilo que eram as perspetivas de há cinco anos. Por isso, naquilo que diz respeito a uma capacidade da economia portuguesa de crescer mais do que os 2% atuais, teremos de fazer um esforço ainda maior no sentido de reforçar a competitividade da economia e torná-la mais interessante, para quem investe e para quem vê Portugal como potencial destino das suas aplicações.

Os portugueses ganham pouco ou muito? O salário mínimo em 2018 vai aumentar para 580 euros, mas não demorará muito a chegar aos 600...

Eu acho que ninguém com bom senso dirá que os portugueses ganham muito. A questão é saber se a evolução que está prevista, em particular do salário mínimo, é compensada por evoluções da produtividade. Não é esse o caso. Esse será um fator que irá porventura penalizar de forma assimétrica a competitividade das empresas. Aquelas que estão mais dependentes de mão-de-obra menos qualificada e em que o salário mínimo é predominante serão claramente mais afetadas. Terão de encontrar outras formas, e seria muito positivo que o fizessem, encontrando outra maneira de se tornarem competitivas. Uma política de competitividade assente apenas em baixos custos salariais mais cedo ou mais tarde estará condenada ao insucesso. Portanto, é importante que as empresas encontrem outras formas de serem competitivas, nomeadamente através da inovação e de uma capacidade mais robusta de se internacionalizarem e de responderem à competitividade externa.

Quanto às famílias, aconselharia alguma cautela? A taxa de poupança das famílias está no valor mais baixo desde 1999, o crédito ao consumo, por outro lado, está no valor mais alto dos últimos 13 anos.

Esse é um fator que nos deve preocupar. Percebo que há aqui um efeito que advém de um acréscimo de riqueza e de vários fatores, nomeadamente da reposição de rendimentos por parte do Estado, a diminuição de algum esforço fiscal que foi exigido [IRS] e daquilo que é, por exemplo, o crescimento do imobiliário. Portugal é uma das economias em que as famílias têm uma maior percentagem de posse de casa própria. Portanto, há aqui um efeito que é percetível. Há um aumento do património e da riqueza, e isso pode materializar-se em perspetivas mais otimistas relativamente à capacidade de consumo das famílias. A taxa de poupança é muito reduzida e o nível de endividamento não tem diminuído por parte das famílias de forma tão expressiva como deveria. A explicação está no facto de as taxas de juro serem bastante reduzidas.

O comportamento das famílias tem muito que ver com os próprios sinais dados pelo governo?

Tem. E mais uma vez seria importante referir que continuamos a ter um PIB potencial e uma taxa de crescimento médio e longo prazo claramente inferior àquilo que seria desejável, até para convergirmos relativamente à média da zona euro. Tirando o ano de 2017, as previsões económicas que temos para os anos seguintes não salientam nem reforçam qualquer processo de convergência.

Referiu o risco de deixarmos de convergir com a Europa. As previsões do Banco de Portugal apontam para uma desaceleração do PIB até 2020. A política de devolução de rendimentos, tanto no Estado como por via do IRS, pode ter efeitos adversos?

Sim, acho que é um motivo de preocupação. Mais do que a natureza das políticas, é o grau em que elas estão a ser implementadas. A lógica do “euro recolhido, euro distribuído” é algo penalizador relativamente àquilo que poderia ser outro tipo de iniciativas, nomeadamente em termos de investimento público. É provável que a pressão por parte dos partidos que apoiam o governo [BE e PCP] liderado pelo PS aumente com a aproximação das eleições legislativas de 2019. Aí terá de haver uma opção, que não será exclusivamente do ministro das Finanças, sendo também do primeiro-ministro, relativamente ao tipo de políticas que serão implementadas. Políticas que comprometem muito da dinâmica de longo prazo da despesa pública, nomeadamente compromissos plurianuais de alteração das carreiras nos funcionários públicos, como estão a ser negociados com os professores.

E há outras classes profissionais dentro do Estado que já começam a reclamar a devolução de rendimentos perdidos ou mesmo um aumento salarial.

Isso será um efeito que será generalizado. E não nos podemos esquecer duas realidades. Por um lado, Portugal é um dos países em que o efeito do envelhecimento terá maior pressão sobre a despesa pública, nomeadamente sobre o sistema de pensões e o sistema de saúde. Por outro lado, a economia portuguesa não está preparada para resistir a um choque externo adverso.

A dívida pública, com um peso superior a 100% do PIB, conjugada com o previsível fim das ajudas maciças do BCE [o quantitative easing], trava o crescimento da economia?

Sim, acho inevitável. Não só porque provavelmente estamos numa fase mais positiva do ciclo económico, e portanto tendo tendencialmente isso irá repercutir-se também sobre as taxas de inflação. O que conduzirá a uma pressão crescente sobre o BCE, para que aumente as suas taxas diretoras. Aliás, já estamos a assistir a isso naquilo que diz respeito, por exemplo, às políticas monetárias que estão a ser adotadas pela Reserva Federal norte-americana, que subiu as taxas de juro três vezes em 2017 e a previsão que existe neste momento é que subirá três vezes mais durante o ano de 2018. E é provável que o BCE sinta a pressão para alterar a sua política monetária. Assim sendo, isso irá repercutir-se sobre as taxas de juro com as quais a República Portuguesa se irá financiar nos mercados da dívida pública.

O agravamento do IRC, por via da derrama estadual, e a crise laboral na Autoeuropa são duas questões-chave para 2018 no plano empresarial?

São duas questões-chave, nomeadamente naquilo que pode sinalizar para a generalidade dos empresários e também para aquilo que poderão vir a ser eventuais investimentos que podemos captar. Até porque muito do investimento estrangeiro tem sido na aquisição de empresas ou de participações. A criação de novas empresas tem sido muito limitada. A derrama estadual irá incidir sobre um número muito reduzido de empresas, mas terá sobretudo um efeito de sinalizar. E o mesmo se pode referir relativamente à eventual instabilidade laboral numa empresa tão significativa como é a Autoeuropa. Haverá um efeito de arrasto inevitável. Todas as empresas fornecedoras poderão ser penalizadas.

Em que medida é que o Norte do país ajuda a economia? Há na região uma grande quantidade de PME de setores tradicionais com forte pendor exportador...

O perfil exportador das empresas da região norte é superior àquilo que é a média nacional. O crescimento da produtividade, que tem ocorrido na região, tem sido também superior àquilo que é a média nacional. A fraca produtividade do país deve-se a lacunas a nível da qualificação da mão-de-obra e à fraca dinâmica do investimento a que temos assistido na última década.

Porto e Lisboa são destinos eleitos sucessivamente como sendo os preferidos pelos turistas estrangeiros. Tem-se assistido também ao impacto que isso tem tido nas respetivas cidades em termos imobiliários. Estamos perante um fenómeno estrutural na economia ou algo de conjuntural?

Não. Acho que há uma mudança estrutural muito significativa. Que tem a ver com alterações na economia como um todo. As empresas portuguesas portuguesas estão muito mais abertas ao exterior. Isto devia dar muito maior importância àquilo que é a capacidade de ser competitivo no plano internacional, em particular no setor do turismo. Portugal tem hoje claramente uma notoriedade internacional como produtor com qualidade. Aquilo que me preocupa a mim, enquanto observador desta realidade, é se, uma vez esgotada a capacidade de aumento de oferta, conseguiremos passar para um outro segmento de turista que é capaz de pagar por um preço mais elevado para ter maior qualidade.

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